Pedra certeira

Os contos do livro de estreia de André Barretto, “Uma pedra na janela do tempo” (Ed. Patuá), homenageiam grandes escritores da literatura universal. Mas não necessariamente falam dos homenageados. É algo mais sutil. Assim, em “Berlin”, homenagem a Lucia Berlin (1936-2004), Barretto dá voz a uma mulher para contar a história de uma amizade à la “Thelma e Louise”. Em “Sant’Anna”, homenagem a Sérgio Sant’Anna (1941-2020), escrito em forma de fragmentos, um homem bebe Steinhäger e perambula pelo Rio de Janeiro vazio, em meio à pandemia, em busca de inspiração para escrever. Em “Guimarães”, homenagem à Ruth Guimarães (1920-2014), tomamos parte de um ritual em noite de eclipse, no meio da mata: “Tambores retumbavam, nossos pés também”. Leiam a entrevista com o escritor.

“Uma pedra na janela do tempo” reúne contos que homenageiam escritores da literatura universal. De onde surgiu essa ideia?

R: Surgiu quando escrevi o conto Borges. Nele tenho uma aula com Jorge Luis Borges a partir de falas que recolhi de entrevistas do autor com Oswaldo Ferrari; “conselhos” que tentei usar durante a escrita do livro. Borges ressaltava a importância de emular outros autores, assim como Javier Marías, que dizia sentir falta desta prática, da emulação, na produção literária contemporânea.

Como se deu a seleção dos escritores homenageados no livro?

R: A seleção se deu naturalmente. Já lia muito, mas durante a pandemia aumentei o volume de leitura. Aquelas autoras e autores que despertaram uma ideia inicial ou os quais eu me interessava pelo estilo de escrita foram o sopro que animou cada um dos textos dentro de mim.

Os escritores não necessariamente aparecem nos contos. Já a forma e os temas dos contos remetem aos homenageados. Isso foi planejado ou surgiu naturalmente à medida que escrevia?

R: Foi surgindo e se diluindo. Comecei com conversas diretas com Borges e Walser. No terceiro conto, inspirado num episódio da autobiografia do pianista Arthur Rubinstein, ele é um dos personagens. Em Galeano, eu queria escrever sobre amizade, a condição latino-americana, com um narrador caminhante pelas ruas de Montevidéu. No final do livro, fiz um retorno para os diálogos diretos. Ruth Guimarães aparece como uma personagem e no conto Cage converso com um avatar de John Cage no metaverso.

Você organizou a vida de um jeito que lhe permite dedicar-se full time à literatura. Está ciente das dificuldades de ser escritor no Brasil? O que espera alcançar?

R: E como. Por isso fiz um longo caminho (foram mais de quinze anos) pra poder me dedicar exclusivamente à literatura. Tive um tio baterista, única referência artística da família, e ele me dizia que 95% do tempo tocava o que não gostava. Farei o que estiver ao meu alcance pra escrever o que acho relevante. Se precisarmos vender a casa pra eu continuar apenas escrevendo, venderemos. Esse é o tamanho da minha paixão pela literatura.

Todo escritor é um bom leitor. O que anda pela sua mesa-de-cabeceira neste verão?

R: Eu divido minhas leituras entre literatura, teoria literária ou de criação artística e campos de ciências sociais em geral. De ficção estou lendo “Eu sozinha”, da Marina Colasanti e “Derrubar árvores”, do Thomas Bernhard. Ligado à escrita estou lendo “O império dos signos”, do Roland Barthes. Acabei ontem “Sociedade Excitada”, do Christoph Türcke e vou começar “A inteligência das aves”, de Jennifer Ackerman.

Pretende inscrever seu livro nos prêmios literários? Acredita que podem impulsionar a carreira de um escritor?

R: Com certeza. Não tenho dúvida da importância que os prêmios literários têm na carreira de qualquer escritor. Pela visibilidade que oferecem e porque muitos leitores usam como critério, na escolha dos livros, a obra ser premiada.

Você lê poesia? Caso sim, o que aprecia?

R: Sou apaixonado por poesia. Inclusive escrevo, apesar de não ter publicado ainda. Meus preferidos são Wislawa Szymborska, Gullar e Drummond. Gosto muito de Eugen Gomringer. Contemporâneas cito Ana Martins Marques e Marília Garcia. Agora estou me debruçando sobre haicais. Talvez seja o livro possível de escrever com a parentalidade. Tenho um filho de um ano, Dante, e moramos rodeados de natureza.

Já está escrevendo outro livro? Conto ou romance?

R: Estou com uma ideia nascendo; ainda muito incipiente. Não sei se um conto ou uma novela. Mas estou fazendo anotações o tempo todo; tentando entender sobre o que quero escrever e por onde seguir.

Quais são seus planos daqui pra frente?

R: O mesmo de sempre. Ser o melhor escritor que eu possa vir a ser.

Este site utiliza cookies para lhe oferecer uma melhor experiência de navegação. Ao navegar neste site, você concorda com o uso de cookies.