Do que aprendemos com a solidão

Dois anos de isolamento social. Um casal. Um homem disposto a submergir no tempo e investigar sua vida, seu trabalho, sua relação com o pai, a mãe e a mulher. Passa a limpo o que fez e o que não fez até agora. Redimensiona o futuro. “Sente-se comigo”, o novo romance de Luciana Chardelli – semifinalista do Prêmio Oceanos 2021 com o livro de contos “Espiral” (Ed. 7Letras) – narra a história desse sujeito, que poderia ser eu ou você, com o estilo delicado e elegante que é sua marca. Leiam a entrevista com a escritora.

“Sente-se comigo” tem o mesmo tom intimista e minimalista de seu livro anterior, “Espiral” (contos, Ed. 7Letras, 2019), semifinalista do Prêmio Oceanos de Literatura 2020. Essa é sua marca?

R: Acho que já posso dizer que sim. Quando percebo estou concebendo o dia a dia, os conflitos, os medos das personagens por uma ótica subjetiva, intimista, dizendo e não dizendo, mas sentindo e pulsando tão profundamente e de tal forma que ao finalizar um livro não consigo reler.

Seu protagonista, Teófilo ou Téo, é sujeito em profunda crise existencial, tem TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo), tem dúvidas… Ele é um arquétipo do homem contemporâneo?

R: Todos nós em algum momento passamos pela experiência do questionamento profundo. No caso de Téo, o confinamento desabrochou incômodos existenciais e válvulas de escape. Nesse ponto acredito que o homem contemporâneo tem, sim, a possibilidade de uma percepção mais aguçada, mas não consigo imaginá-lo como arquétipo.

“Sente-se comigo” foi escrito durante o confinamento provocado pela pandemia de corona-vírus e retrata esse período. A pandemia não acabou, mas as pessoas já voltaram à vida de antes. O livro continua atual?

R: Algumas experiências são inesquecíveis. Acredito que para aqueles que não negaram a gravidade do que nos aconteceu esse será sempre um tema sensível.

“Nessa quarentena comer se tornou um grande programa”. Ao longo da narrativa, Teo prepara vários pratos: massas com molhos variados, pão-de-queijo, pudim de claras. Como surgiu a ideia de incorporar receitas à história?

R: No auge do confinamento, me recordo de uma noite bastante silenciosa, nenhum carro passava, já era tarde, mas as horas estavam diferentes, então, eu e meu filho caçula, Tom, preparamos um bolo de cenoura. Cozinhar é um ato de amor para si e para os outros. Acho que foi assim que surgiu a ideia.

O livro é dedicado a todas as vítimas do covid-19. Como atravessou esse período? À maneira de Teo, qual foi o saldo positivo?

R: À maneira de Teo, posso dizer que refletimos sobre o tempo e o que realmente importa. Mas não consigo me afastar do todo, foi um período de muitas perdas, fome e medo. É difícil pensar num saldo positivo. Se falar apenas por mim, posso dizer que o silêncio e o isolamento não me afetaram, sou privilegiada, nada me faltou. Mas o que passamos está para muito além do individual. No livro há uma passagem sobre um vendedor de balas, aquilo foi real, e eu nunca pude esquecer.

No início da pandemia, você tomou a decisão de sair da cidade e ir morar no campo. Como está sendo a experiência? É melhor para ler e escrever?

R: Adoro estar no campo, mas preciso confessar que tem sido muito mais difícil ler e escrever, principalmente escrever, a natureza me distrai.

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