Em duas linhas cabe uma vida

O romance de estreia de Rodrigo Andrigheto, “O que cabe em duas linhas” (Folhas de Relva Edições), narra a história de Vitor Ressler, adolescente de 15 anos que é atropelado enquanto pedala sua bicicleta e tem o rosto marcado pelo asfalto. Entre os corredores da escola e as ruas da cidade, ele sente os olhares e a crueldade do bullying, sofre com os apelidos e as limitações financeiras de sua família, toma consciência dos preconceitos e visões deturpadas que atravessam o estrato social ao qual pertence. Um romance de formação sensível que reverbera o que todos nós vivemos e sentimos um dia. Leiam a entrevista com o escritor, gaúcho de Santa Rosa (RS) que vive em Tóquio, Japão.

“Se queres ser universal, começa por pintar a tua própria aldeia”, disse Tolstói. Seu romance se passa em uma pequena cidade gaúcha, como aquela onde nasceu, mas alcança a universalidade ao narrar os percalços do jovem Vitor. Isso foi planejado antes de iniciar seu livro? Ou foi uma escrita intuitiva?

R: Isso foi planejado. Eu sempre gostei daqueles livros nos quais achamos que conhecemos o lugar onde a história se passa e, ao mesmo tempo, não conseguimos ter certeza se o lugar é exatamente aquele que pensamos ser. Eu creio que isso dá ao leitor certa liberdade de imaginar que tais histórias acontecem em lugares que fazem mais sentido para ele.

Ressler parece existir realmente, tamanha a empatia que desperta em quem lê. Como foi a construção deste personagem, protagonista do livro?

R: Ele é um amálgama das características de gente que vi ou conheci, das coisas que li ou aprendi a respeito das pessoas. Eu tinha uma imagem do Vitor Ressler na cabeça, que começou meio transparente e foi encorpando conforme a história amadureceu comigo. Quando passei a escrever o livro, o Vitor havia se tornado uma pessoa que poderia ter existido de verdade, porque existia como uma memória na minha cabeça.

A capa do livro, produzida pela designer Luiza Chamma, é muito bonita. Qual é a história dessa capa?

R: Luiza teve a ideia da capa após ler o livro. A flor brotando reflete a jornada do personagem. O coração de Vitor Ressler vai se soltando ao longo da narrativa, conforme ele aprende a observar os outros e a si próprio, conforme ele passa a fazer escolhas com base no futuro que ele gostaria de alcançar. Ao longo do livro, o coração vira terreno fértil para o florescimento dessa outra vida possível.

Você se mudou para a Ásia em 2019, viveu na China e mora em Tóquio, Japão. Como é a vida do outro lado do mundo? É melhor para escrever?

R: Não muda na hora de escrever. Para escrever precisamos de um período de incubação, durante o qual a gente esboça a história na cabeça. Depois, tem que achar tempo e energia para encaixar o trabalho de escrita na rotina diária, que aqui em Tóquio é parecida com a que eu tinha no Brasil. Bater ponto no trabalho, ir no mercado, passear com os cachorros, ir na academia, limpar a casa.

Como se atualiza com relação à literatura brasileira contemporânea? Consegue acompanhar a cena literária no Brasil?

R: Eu leio com alguma regularidade a 451 e a Rascunho, mas me atualizo principalmente pelo Instagram e pelo YouTube. Vejo quais são os autores e os livros indicados por escritores e influenciadores, depois pesquiso sobre os autores e os livros que foram recomendados. Leio autores brasileiros no Kindle.

Tem planos de vir ao Brasil para lançar e promover seu livro? Caso sim, quando?

R: Eu gostaria de ir ao Brasil ano que vem, depois da metade do ano. Vai depender, em especial, de conseguir folga no meu emprego.

Por fim, o que cabe em duas linhas?

R: A vida é o que escolhemos fazer dela, apesar do que nos acontece. É um baita desperdício não escolher nada. Porém, isso só é verdade quando se tem necessidades básicas supridas, acesso à educação, disponibilidade de psiquiatra e de psicoterapia nos casos em que a pessoa não dá conta da rotina por causa de transtorno, de doença mental. Deu mais que duas linhas, mas eu precisava fazer essa ressalva porque há gente que tem pouco ou não tem quase nada e não dá para escolher o próprio destino quando não se tem nada.

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