Como um bom vinho

Rico em imagens e lembranças ancestrais, o novo romance de Athos Rache Filho, “Tannat” (uva do Uruguai trazida da França pelos imigrantes), se debruça sobre uma das épocas mais conturbadas e pulsantes de nossa história testemunhada pelo olhar atônito, apaixonado e às vezes aterrorizado de seu antepassado Pierre Sylvestre Rachebourg e sua amada Denise. O casal foge de navio da França basca para a América do Sul levando, além da esperança no coração, sementes da uva tannat, que viriam, depois de organicamente semeadas, vicejar em terras uruguaias, dando origem a um vinho com sabor forte e muita personalidade. A edição da Folio conta com inúmeras belas ilustrações da artista plástica Izaura Lima. Leiam a entrevista com o escritor.

Como descobriu e recuperou a história de Pierre Sylvestre Rachebourg, seu antepassado, para contá-la no livro?

R: A descoberta e recuperação da história tem algum tempo. Visitei a vila na França de onde ele veio, Salies du Bearn, com minha filha Patrícia. No Porão da Prefeitura me deparei com documentos, em sua maioria certidões de nascimento e óbito, que me fizeram iniciar esta viagem. O lugar é muito especial (Países Bascos Franceses) e o clima ajudou. A centelha para escrever o livro foi acesa pela cineasta Sandra Kogut e seu curta “Adieu Monde” que trata do universo dos pastores de ovelhas da mesma região de onde veio esta vertente da minha família.

Como se deu seu trabalho ficcional, como escritor, para transformar a história familiar em romance?

R: Meu trabalho ficcional é muito intuitivo, o melhor termo talvez seja sensitivo. Sinto-me, às vezes, tateando alguma coisa; às vezes mergulhando em um lago profundo; às vezes, também, empacado frente a uma parede intransponível! Na verdade, não é uma historia familiar. Uso o personagem, este sim, familiar, para narrar do ponto de vista do seu olhar. Acho que acabo flertando com a linguagem cinematográfica, inspirado por meus amigos cineastas, Jorge Bodanzky e Sandra Kogut, que costumam misturar realidade e ficção em suas obras.

“Tannat” ainda narra batalhas importantes da nossa história, a Guerra dos Farrapos no Sul do País, e tem Giuseppe e Anita Garibaldi como coadjuvantes. Como foi a pesquisa histórica para redigir o livro?

R: Não pesquisei muito porque minha intenção não era centrar foco na História, mas sim na ficção. Os livros e vídeos do Eduardo Bueno são fontes de consulta permanente, também li todos os seus livros. Eventos narrados no livro como a Revolta dos Malês e a Guerra dos Farrapos tem os livros de Bueno como base histórica. Mas, como avisa a psicanalista Marcia Bodanzky no texto de orelha do livro, a “trama vertiginosa e poética” é toda minha.

“Tannat” parte de um acontecimento no presente para uma viagem ao passado, tal qual “Em busca do tempo perdido”, de Marcel Proust. Esta é uma influência literária? Além de Proust, o que mais?

R: Proust influenciou e influencia muita gente. Confesso que não é meu autor preferido. Dentre os clássicos, são eles Tolstoi, Machado, Eça, Victor Hugo e Balzac. Dentre os brasileiros, Nelson Rodrigues, Clarice, Lima Barreto, correm em minhas veias. Estou tentando iniciar a leitura de “Ulisses”, de James Joyce, contudo, preciso de um pouco mais de coragem.

Por que um livro ilustrado? Como foi o diálogo com a artista para orientar a produção das figuras? Qual técnica ela usou?

R: Guardadas devidas proporções, penso em um livro como uma caixa de Marcel Duchamp (1887-1968). Minha intenção é enriquecer o objeto-livro com todas as informações artísticas possíveis. Imagens também ajudam a narrativa, como um impulso na imaginação do leitor ou leitora. Izaura Lima é uma artista especial, leu o livro e teve liberdade absoluta para criar. Seu trabalho está sendo muito elogiado.

Quais são seus planos, daqui pra frente, como escritor?

R: Estou trabalhando em um livro de contos com ilustrações do artista plástico Raul Amorim. Ando apaixonado por esse trabalho. Tenho também um romance “estacionado”, com título provisório “Copacabana”. A hora dele irá chegar.

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