Área reservada para uma boa escritora

Um assaltante assombrado pelo fantasma de um militante de direitos humanos; as consequências de um topless para um jovem “esquerdomacho”; o encontro de uma mulher com a antiga empregada de sua família; um guarda municipal seduzido pelo encantamento de uma gira de candomblé na Pequena África no Rio de Janeiro. Esses e outros contos do livro de estreia de Maiara Líbano refletem os desafios e contradições de se viver no século XXI. Com uma prosa clara, fácil de ler, e um toque de humor – garantia de leveza –, ela cria cenas e situações que mostram a insanidade da época atual, e as saídas que seus personagens encontram nos dão esperança de que seremos capazes, também, de sobreviver. Leiam a entrevista com a autora.

“Área reservada para pichadores amadores”. Por que esse título?

R: Essa frase faz referência a uma placa presente em muitos bairros do município de São Gonçalo e do subúrbio do Rio. Ela sempre me intrigou porque realmente funciona. Onde há placa não há picho. O motivo dela ter sido escolhida para dar título ao meu livro é o fato de representar uma tática dos lugares onde o Estado não se faz presente, ela é uma astúcia onde a regra não tem vez.

Você faz parte do coletivo carioca de escritores Clube da Leitura há 10 anos. O quanto esta iniciativa a ajudou a escrever seu livro e como poderia ajudar outros escritores?

R: O Clube da Leitura é quase como uma família na literatura para mim. Os encontros quinzenais foram um ótimo exercício para experimentar e encontrar uma voz literária. O fato de haver uma eleição anônima também foi uma boa maneira de ver como meus textos eram lidos.

Seus contos foram produzidos no contexto do Clube da Leitura? Em oficinas literárias? Conte-nos um pouco da história do seu livro.

R: O Clube da Leitura tem um formato de contos curtos, apenas duas laudas. No caso do meu livro, três contos vieram dos encontros do Clube. Eu levei bastante tempo para entender qual seria o perfil do livro. Precisei desse tempo para entender que a temática da questão de classes, a tensão típica da vida carioca e a ironia eram recorrentes nas minhas histórias.

Como foi o processo de seleção dos contos?

R: Num primeiro momento eu fiz a seleção dos contos me baseando na temática. Mesmo as boas histórias, todas que não tangenciavam o tema foram descartadas. Depois eu chamei a Claudia Lage para fazer a leitura crítica do original. Nesse momento o livro amadureceu bastante, pude burilar mais o texto e me dedicar mais ao ritmo e à construção dos personagens. A Claudia é uma excelente escritora e professora (aliás recomendo a todos que desejam aprimorar sua escrita).

Dentre os contos no livro, existe algum do qual goste mais? Por que?

R: Essa coisa de favorito é como música, né. É algo que muda de acordo com o momento em que estamos. Mas eu diria que um conto que gosto bastante é o “Quase da família”, que narra o encontro de uma mulher com a antiga empregada da família. Duas mulheres que cresceram juntas, uma servindo e outra sendo servida. É um clichê da formação do nosso país, mas que também nos permite pensar na perversidade velada da classe média e na força das mulheres negras que ergueram esse país.

Quais livros marcaram a sua trajetória de escritora? Quais são suas leituras atuais?

R: Os contos de Clarice Lispector, a hexalogia “Minha Luta” do Karl Ove Knausgard, “Desonra” de Coetzee, “Americanah” da Chimamanda, “Ficções” do Borges, e os livros da Carolina Maria de Jesus são aqueles que volta e meia releio em busca de uma inspiração ou só para ter o gosto de ler boa literatura sempre que possível. Das minhas descobertas atuais, sem dúvida, um dos meus favoritos é o José Falero, ele é genial.

O livro teve lançamentos no Rio de Janeiro e em São Paulo, e ainda terá em Nova Friburgo e São Pedro da Serra. Como está sendo estrear como escritora e cumprir uma agenda de eventos?

R: Está sendo uma delícia fazer lançamentos e participar de eventos. Cada novo leitor que ganho é um presente. É muito gratificante receber uma impressão de uma leitura. Agora, deve ser mais incrível ainda fazer isso com incentivo, ganhando algum dim dim (risos)! Quem sabe um dia chego lá?! Quem sabe um dia o mercado literário tenha espaço para todos? Seria muito legal um dia ver livros de editoras pequenas vendendo bastante.

Conte-nos seus planos: vai continuar escrevendo contos ou há um romance à vista?

R: Estou começando um desafio de escrever minha primeira narrativa longa. Um livro sobre a trajetória da personagem Berenice, presente no conto “Quase da família”. A ideia é falar de empoderamento feminino, bruxaria e fim do mundo.

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