O teatro de Marcílio Moraes

“Já experimentou o sentimento de viver um jogo de sete erros? Sua cidade, família, mais uma manhã de sol, mesmo o café com leite à mesa, nada mudou, mas há algo estranho. Tudo que era familiar, de repente mostra-se ameaçador. Eis a chave do teatro de Marcílio Moraes” – diz Bosco Brasil no texto e orelha do livro “De peito aberto – O teatro de Marcílio Moraes”. O volume recém-lançado pela editora Batel reúne as melhores comédias, dramas e tragédias do premiado dramaturgo e autor de novelas, como “A vaca Metafísica” (1974), que marcou sua estreia e lhe deu o Prêmio Revelação de Autor da Associação Paulista de Críticos de Arte – APCA (1976), e “Aracelli”, sobre o crime que chocou o Brasil na década de 70, entre outras. Leiam a entrevista com o autor.

Quando e onde surgiu a ideia de reunir em livro suas peças teatrais?

R: A ideia é antiga. Depois que entrei para a TV, na década de 80, escrever peças se tornou quase um hobby, porque botar uma peça no palco exige dedicação enorme e eu não tinha mais tempo nem cabeça. Mas nunca parei de escrever para teatro. Como atualmente estou fora da TV, acabaram-se as desculpas para não revolver os velhos arquivos, em papel, ainda do tempo da máquina de escrever e dos disquetes.

Dentre as peças do livro, existe alguma ou algumas que sejam suas preferidas? Caso sim, qual ou quais?

R: Nenhuma preferência. Cada uma delas é aquilo que eu tinha para dar naquele momento. São textos das décadas de 70, 80, 90, início dos 2000 e até uma que escrevi durante a pandemia. O Sérgio Fonta, que organizou a antologia, selecionou oito. Várias ficaram de fora, porque daria um volume grande demais.

As peças têm coloquialidade na linguagem e atualidade de temas impressionantes. O tempo passou e o Brasil não mudou, é isso?

R: Que bom que você viu atualidade nos textos, alguns já perto dos 50 anos. Esse é o maior elogio que uma peça pode receber, porque o teatro é muito o momento, não apenas a encenação, que acontece e acaba, mas também o texto, escrito no calor da hora. Então, se permanece, é porque o autor atingiu uma camada mais funda. O Brasil mudou um pouquinho. Talvez as pessoas é que custem mais a se transformar, se é que se transformam.

Dentre as peças teatrais e os roteiros de novelas existem muitas diferenças? Quais? Qual estilo narrativo lhe agrada mais?

R: O roteiro, a não ser em casos excepcionais, é uma obra-meio, digamos, ou seja, serve de base para outra obra, na qual se realiza. Já a peça de teatro tem existência mais autônoma, ou pelo menos muitas vezes aspira a tal. Busca um estilo, uma unidade orgânica, que lhe possibilite ter vida própria. Por isto, como escritor, o teatro me agrada mais.

Todas as peças do livro foram montadas? Quais montagens tiveram maior destaque, e quais você gostou mais?

R: Algumas tiveram montagens importantes, outras, apenas leituras públicas. Uma é inédita, embora já escrita há algum tempo. Na época achei que ainda não era o momento dela, mas agora está liberada… Hahahah. A que teve mais destaque foi “A Vaca Metafísica”. Ganhou os prêmios mais expressivos do país, participou do Festival Internacional de São Paulo e teve dezenas de montagens, sendo a de São Paulo, direção do Silnei Siqueira, a que alcançou maior repercussão. Gostar, gosto de todas.

Existe a perspectiva de uma de suas peças ganhar nova montagem, agora que o livro foi lançado?

R: O objetivo inicial da publicação não é possibilitar novas montagens. Para mim, o mais importante é registrar e tornar acessível o meu trabalho. Sou mais conhecido na TV, onde o texto escrito, embora seja o fundamento de tudo, não é aparente. Mesmo no teatro, o texto não aparece enquanto tal, vira fala. O livro com as peças vai dar oportunidade das pessoas conhecerem a minha escrita diretamente, in natura. Se algum produtor ou ator se interessar em montar um dos textos, vou achar maravilhoso.

Quais são seus planos como escritor?
R: Como profissional, o plano é continuar escrevendo. Meus períodos fora da TV têm sido produtivos. Quando saí da Globo, por exemplo, escrevi o romance “O Crime da Gávea”, a peça “De Peito Aberto”, que dá nome ao livro (é aquela inédita, de que falei), a peça, “A Demanda” (não está no livro) que escrevi com meu amigo Mauro Costa e outros trabalhos. Quando não renovei com a Record, pouco antes da pandemia, escrevi a peça “A Mais Forte das Armas”, que está no livro, e vários projetos.

Como o mercado se tornou muito problemático, com exigências estéticas restritivas e equivocadas, ainda quando bem-intencionadas, talvez um escritor como eu não tenha mais lugar na TV. Tudo bem. Assunto não falta para outros gêneros, teatro, conto, romance e mesmo cinema (planejo dirigir filme baseado num conto meu).

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