Nesta nova narrativa longa, Jacqueline Farid – semifinalista do Prêmio Oceanos 2020 com seu romance de estreia, “No reino das girafas” (Jaguatirica, 2019) – nos carrega grudados ao espírito do avô Youssef, já falecido, em uma peregrinação por Turquia, Líbano e Jordânia com uma missão muito importante: salvar a vida da neta, Soraia. O destino final é Bsharri, terra dos cedros de Deus, últimos remanescentes das florestas originais do Líbano, e também local de nascimento do célebre poeta e escritor Khalil Gibran. Este vem se juntar à história em amizade inusitada com Youssef. Jacqueline Farid é mineira de Itabirito e o lançamento de “O árabe invisível” (Ed. Páginas) acontece neste sábado, 5/11, 10h, na livraria Jenipapo, na Savassi, em Belo Horizonte. Leiam a entrevista com a autora.
Seus três livros publicados tem viagens como pano de fundo: “No reino das girafas”, Namíbia; “Prana”, Índia; “O árabe invisível”, Jordânia, Líbano e Turquia. É sua marca literária?
R: Tem sido o meu dispositivo para a escrita. Como jornalista e escritora, me alimento da curiosidade e da imaginação. A viagem é onde as duas se encontram. Me fascina ter o chão do deslocamento real no mundo para dar movimento aos personagens na ficção. Além disso, para mim, viajar é essencial, uma necessidade, assim como a escrita.
“O árabe invisível” tem um personagem sobrenatural e se passa nos dois mundos, aqui e o além. Isso é revelado no início do livro. De onde surgiu esta ideia?
R: Na minha primeira viagem ao Líbano, em 2019, houve um momento em que pensei: e se o meu avô (que é libanês e morreu há décadas) estivesse aqui, de alguma forma, me observando? Essa pergunta me deu o título do livro. Meus livros começam na viagem, mas só encontro o caminho da escrita quando tenho o título.
O livro tem vozes alternadas: Soraia, a protagonista, fala em primeira pessoa; o restante da história é contado por um narrador. Por que essa escolha?
R: Eu queria que ambos tivessem pontos de vista diferentes de uma mesma viagem, olhares distintos para os mesmos acontecimentos e paisagens. Acho que um morto em primeira pessoa, neste livro, perderia força como personagem. E as duas vozes reforçam o contraponto entre avô e neta, vida e morte.
Sua família também tem origem no Líbano. “O árabe invisível” tem um quê de autobiográfico?
R: Bsharri, no norte do Líbano, é a cidade onde nasceram meus avós maternos. As casas de pedra nas quais eles viveram ainda estão lá, de pé, abandonadas, mas plenamente reconhecíveis, cheias de história afetiva e personalidade. Usei muitos elementos familiares para compor a história, mas é a ficção que domina a narrativa.
Chico Buarque escreveu “Budapeste” sem nunca pisado na capital da Hungria. Você realmente visitou todos os lugares que aparecem em seus livros? Qual deles mais gostou?
R: Sim, isso é fundamental, experimentar os lugares. Adoro o livro Budapeste, mas pra mim a viagem é tão importante quanto a escrita. Visitei cada um dos lugares que estão nos meus livros. A Namíbia é muito especial, porque ali me senti na eternidade, mas já me apaixonei por muitos lugares, inclusive sobre os quais não escrevi, como o Chile, a Espanha, a Grécia.
Em dado momento, Youssef, avô de Soraia, se encontra no além com o escritor Khalil Gibran. “O fato é que Khalil parece ter escolhido viver a eternidade dentro de um livro”. Esse é seu desejo também?
R: Seria bom, como leitora. Sou melhor leitora do que escritora, a leitura me eleva, me conecta e me acalma. Viver a eternidade dentro de um bom livro no parque de Etosha, na Namíbia, ou na linda Bsharri, no Líbano, seria uma grande felicidade.