Viagem à Itália em companhia de Milady

Vivendo no Brasil, Angelina sabe que descende de italianos e, munida de poucas informações, parte para a Itália em busca da cidade onde o avô paterno teria nascido. Mais que um desejo, sua necessidade é sentir-se ‘aterrada’ ou que pertence a um lugar. Nesse percurso, tem a ajuda da gata Milady e de um parente distante, com quem encontra o amor. Leiam a entrevista com Ivani Rossi, autora do delicioso romance “O telefone toca, frio”.

Você é descendente de italianos como a protagonista Angelina. Seu romance é auto ficção? Ou é tudo invenção?

R: Eu diria que é muito difícil um escritor esconder suas angústias, mesmo as mais profundas. Como sou criativa coloquei a fantasia para me ajudar no processo. Eu diria que 30% são experiências vividas e o restante foi se desvendando. A escrita é uma surpresa que se revela, como na época da fotografia analógica, quando a revelação lenta de uma foto nem sempre era o que havia sido fotografado. Eu me surpreendi ao ler o livro finalizado.

A gata Milady é um personagem cativante e original. De onde ela surgiu e como a concebeu/construiu?

R: É incrível eu não ter gatos apesar da Milady. Ela foi inspirada numa gata que achei na rua quando tinha 13 anos e que se tornou uma companheira, confidente de uma paixão não correspondida. Adorável, brincávamos de esconde-esconde e me esperava no ponto de ônibus quando eu voltava da escola à noite: gata de guarda. Ela está presente também em alguns contos porque vejo os felinos com uma percepção incrível. A meu ver, além de sistemáticos, são extremamente observadores.

“Sob o sol da Toscana” é um romance de tremendo sucesso que se tornou filme. Você o leu? Quais foram as influências para escrever este livro?

R: Sim, li, romântico, sonhador. Tudo que se refere à Itália me interessa, mas a principal motivação para escrever o livro foi a ansiedade por não saber exatamente como se deram as histórias dos meus avôs (paterno e materno), como viviam antes de imigrarem, em que lugar, suas casas, etc. Sabia que vieram por extrema necessidade. Só. Como encaixar o sentimento de pertencimento diante de um vazio não preenchido? E não posso deixar de falar das oficinas de escrita do professor Rodrigo Petrônio, que me estimularam a escrever e publicar o livro.

Como é o seu processo de escrita? A que horas escreve e como escreve?

R: Sou uma pessoa matutina. Acordo muito cedo e, logo após o café, sento e começo a escrever, em geral, uma ideia pensada antes de dormir. E deixo que a escrita me conduza para depois de um tempo rever. Brinco que muitas vezes sou “tomada” pelas ideias. Em ocasiões a escrita sai com tons de ironia, outras do tipo maravilhoso/estranho. Eu diria que sou eclética.

Quanto às suas leituras, acompanha a produção brasileira contemporânea? O que tem lido?

R: Sim, como escritora é importante acompanhar o que acontece no nosso mundo. Tenho lido os mais recentes como Itamar Vieira Junior, Julián Fuks, entre outros, e os mais antigos como Clarice Lispector, Nélida Pinon, Lya Luft, Adélia Prado, etc. Mas o que me fascina são os clássicos. Como não cursei Letras, procurei nestes anos aprofundar meu conhecimento na literatura clássica com leitura analítica feita por especialistas. Li “Grandes Sertões, Veredas” de Guimarães Rosa, “Ulysses” de James Joyce, Shakespeare e sua influência no cinema, “Dom Quixote” de Miguel de Cervantes. “A Divina Comédia” de Dante Alighieri, cujo “Canto I do Inferno” me impactou tanto durante a preparação do meu livro, que decidi colocá-lo no início, pois reflete muito a busca da personagem. Literatura contemporânea é importante para compreendermos os acontecimentos de nossa época, mas os clássicos são imperdíveis, pois oferecem uma reflexão sobre os conceitos universais. Aprecio muito Dostoievski, Tolstói, Turguêniev, Thomas Mann, Proust, Oscar Wilde e Edgar Allan Poe.

Um próximo livro está a caminho? Pode adiantar algo sobre ele?

R: No momento, tenho em processo um livro de contos que incluem humor, casos de família e fantástico. Um deles é a história de um homem homofóbico que no final da vida se transforma.

Que conselhos daria a quem se arrisca a escrever – e publicar?

R: O primeiro é ler, ler muito, diversos gêneros. Escrever, escrever, mesmo sem objetivos, para ir treinando. Frequentar oficinas de escrita, que ajudam a ordenar os pensamentos, a criatividade e até mesmo a escrever um romance. Publicar? Quem escreve deseja compartilhar, mas para publicar, ou você paga ou fica à espera de um milagre, por não ser famoso.

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