Uma face nada doce da nossa História

“Um país que não conhece a sua história está fadado a repeti-la”. A frase do filósofo irlandês Edmund Burke (1729-1797) sobrevoa o romance “A face mais doce do azar”, de Vera Saad, agraciado com o Proac/SP 2022, que chega às livrarias pela Ed. Claraboia, com texto de apresentação de Jarid Arraes. Ainda que não fosse uma história docemente triste e muitíssimo bem escrita, a obra teria valor por trazer à memória dos que viveram e informar àqueles que não haviam nascido, a desdita dos brasileiros ao fim da ditadura: a morte de Tancredo Neves antes mesmo de assumir a presidência sucedida pela eleição de Fernando Collor de Mello, que confiscou as poupanças da população. Leiam a entrevista com a escritora.

A década de 1990 e o Plano Collor são temas ainda pouco abordados na literatura brasileira. Como surgiu a ideia desse romance?

R: Eu tinha acabado de ler “Complô contra a América”, do Philip Roth. O ano era 2018, Bolsonaro era favorito nas pesquisas eleitorais para presidente. Quando pensei, “puxa, vivemos a distopia descrita no livro!”, e me lembrei do Plano Collor, do absurdo que foi aquilo. Até que me dei conta das semelhanças entre a eleição de Collor e de Bolsonaro, e resolvi escrever sobre aquela época, pouco conhecida para muitos.

O livro traz, ao final, a bibliografia da pesquisa empreendida para estruturar a obra. Como foi essa pesquisa? Qual método usou considerando que seu propósito era redigir uma narrativa literária e não um ensaio ou dissertação?

R: Fiz uma pesquisa bibliográfica e de campo, entrevistei pessoas que viveram essa época, além de buscar na memória o que me lembrava. Tenho como modelo Marguerite Yourcenar, Alice Munro, Philip Roth e Javier Marias, cuja narrativa literária descortina uma grande pesquisa histórica. Também recebi todo o suporte de Jarid Arraes, que é uma escritora incrível, sempre amparada por muita pesquisa antes de iniciar qualquer escrita, e de Ricardo Duarte, que fez a leitura crítica do livro, ele sempre me alertava quando o texto ficava “didático demais”.

“A face mais doce do azar” não é bem um romance histórico, mas um romance que contém História. Como classifica seu livro? Ou ele foge de classificações?

R: Às vezes penso que, por sua extensão, ele está mais para uma novela, mas minha editora, Tainã Bispo, o classificou como romance de formação, e acredito que essa classificação faz muito sentido.

Você é mestre em literatura e crítica literária pela PUC-SP e doutora em comunicação e semiótica também pela PUC-SP. Como esse arcabouço teórico ajudou na construção da escritora que é hoje?

R: Além da inspiração, a escrita exige também muito trabalho, sobretudo de pesquisa e de leitura. Conhecer a teoria literária é fundamental para o ofício e o mestrado e o doutorado direcionaram meus estudos.

A protagonista do romance é uma criança que cresce sob os impactos do contexto social-político-histórico do qual faz parte. Como se deu a construção da personagem?

R: Além de ter a idade semelhante à minha, o que me ajudou na verossimilhança, a personagem era uma menina, que menstrua e vê seu corpo mudar em uma época extremamente machista, uma escolha consciente, como denúncia de um tempo que, infelizmente, mudou muito pouco.

Jarid Arraes, escritora renomada, assina a orelha do livro e há um agradecimento para ela. Qual o seu papel nesse projeto?

R: Eu fiz a mentoria literária com Jarid Arraes, que foi crucial na construção do livro. Eu repito sem exagero que o livro não existiria se não fosse por ela. Além de renomada, Jarid Arraes é extremamente generosa e me ensinou muito durante nossos encontros. Foi uma das melhores experiências que tive.

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