Esse é o tempo que as poesias de “Morada mínima” levaram para maturar. Uma vida, no caso, do poeta – sempre – e jornalista Guilherme Pena. Apesar da longa vivência no ambiente corporativo, nada poético, manteve vivo dentro de si o chamado aos versos. Poucas pessoas leram esses poemas. Foram reescritos, copidescados, ajustados com vagar. A época da publicação é prova de que o autor não teve pressa, essa sim, inimiga dos escritores. Leiam a entrevista com o autor.
Por que esperar tanto tempo para publicar seu primeiro livro de poesias?
R: Metade dos poemas de “Morada mínima” são do século passado e a outra metade foi escrita nos anos 2000, em meio a uma carreira de trabalho absolutamente absorvente. O livro chegou a ter outras formas, títulos e composições, mas sempre na gaveta. Em 2019, encerrei meu ciclo profissional e voltei aos arquivos com mais inteireza. Precisei tomar a decisão interna de concluir esse processo, então fechei o livro.
Você é essencialmente poeta? Ou pretende escrever contos e romances?
R: Gostaria de ser “essencialmente poeta”, mas não depende do desejo. Fui muito impregnado pelo trabalho. Para mim, jornalismo não é profissão, é um modo de ver e repercutir a vida. Então, escrever literatura sempre foi um impulso muito frequente. Agora, está sendo uma elaboração mais consciente e prazerosa. Ainda tenho algumas pastas com fragmentos de prosa que serão revisitados, mas não acredito que tenha imaginação suficiente para costurar um romance. Por isso, o formato está em aberto. Mas sempre farei poesia.
Imaginamos que tenha muito material guardado. Como foi o processo de seleção das poesias para o livro?
R: Você acertou! Alguns poemas da “Morada” nasceram prontos e adormeceram um tempo. Outros foram retrabalhados esporadicamente, quando a ideia ressurgia com uma nova imagem, um confronto, um desfecho. Como a produção aumentou com mais tempo livre, a decisão de publicar veio como uma urgência, depois de tanto tempo. Comecei a digitar o que estava manuscrito e a colocar em ordem de sentido aquilo que me parecia bom, até considerar que havia um livro naquela reunião.
Poesia é um gênero que “vende pouco” no Brasil, país carente de leitores. Como se sente a respeito disso?
R: Vende pouco, mas é muito produzida. Passei a percorrer a “cena poética” de São Paulo e vi que há centenas, milhares de poetas em atividade, novas editoras, círculos de leitura vibrantes. E isso acontece em BH, no Rio, no Sul e no Norte. Descobri que existe o “slam” e quero aprender como acontece. Estou aprendendo também como funciona o mercado editorial, mas não estou preocupado com isso. Penso em produzir mais e melhor, e chegar a quem se destina, mesmo que eu não saiba quem nem onde.
Quais livros de poesias clássicos e contemporâneos te marcaram como poeta?
R: A obra do Drummond, o poeta e o cronista, desde a infância. Manoel Bandeira, naquela transição do formalismo para o verso livre e solto. Paulo Mendes Campos, denso em verso e prosa. Fernando Pessoa, arrebatador. Os romances de Machado de Assis e José Lins do Rego – nunca esqueci de “Pureza”. Os contemporâneos são os poetas mineiros que estavam mais próximos na minha juventude, como Márcio Almeida, Paulinho Assunção, Antônio Barreto, Adão Ventura, a turma do Varal de Poesia, Guilherme Mansur e Régis Gonçalves à frente. E tenho que mencionar ainda a grandeza da poesia da MPB de todos os tempos.
Quais são os desafios para um escritor maduro que está começando?
R: Prefiro pensar nas vantagens. Tenho mais tempo livre para ler e escrever, participar de oficinas. Ao frequentar a “cena literária”, percebo que o repertório acumulado ajuda a fazer novas conexões criativas. Os desafios da maturidade estão no campo da tecnologia: blogs e redes sociais são instrumentos poderosos com os quais tenho pouca intimidade. Meus primeiros poemas foram impressos na tipografia. Ainda acredito no papel.
O que diria aos que ainda hesitam em publicar pela primeira vez seus escritos?
R: Não hesitem, arrisquem. Um dos problemas do escritor é a autocrítica. Na falta, nos faz publicar qualquer coisa, sem um crivo de qualidade. Mas o excesso talvez seja um complicador maior: nunca a obra estará pronta. Então, publiquem, na forma que for possível. Como me disse o amigo e escritor Afonso Borges, quando compartilhei com ele o meu temor: “O jeito é colocar a cara”, e seja o que for.