Boa literatura em meio a espirais de fumaça

“Todas as famílias felizes se parecem; as infelizes são infelizes cada uma à sua maneira”. A célebre frase de abertura do romance “Anna Karenina”, de Leon Tolstói, vem à mente com a leitura de “Seu jeito de soltar fumaça” (Ed. 7Letras), livro de estreia de Ricardo Motomura, pós-graduado em Formação de Escritores pelo Instituto Vera Cruz (SP). Em meio a tragadas e espirais de fumaça, tendo como trilha sonora canções de Cássia Eller, The Cure, Legião Urbana, Joy Division e outros ícones das décadas de 80 e 90, acompanhamos a trajetória de Ângelo, solteiro e solitário, dono de uma banca de jornal em São Paulo. Ele volta à cidade natal após 20 anos de ausência, de onde saiu brigado com o pai, para acompanhar o funeral de sua mãe. O reencontro com a família, amigos e amores da juventude reacende lembranças que se intercalam com a ação no presente. Leiam a entrevista com o autor.

Campanhas antitabagismo só aumentam no mundo inteiro. Por que criar um protagonista/herói que é viciado em cigarros? O que essa característica diz sobre Ângelo?

R: Para Ângelo, fumar representa uma fuga, ainda que momentânea, do arrependimento que sente pelas escolhas que fez no passado e, sobretudo, da raiva que tem do pai, que odiava os fumantes. A descoberta de certos segredos faz com que ele entenda melhor as decisões que tomou e as atitudes das pessoas que o cercavam. Junto dessa compreensão tardia, Ângelo percebe que também está perdendo a vontade de fumar.

Você é juiz, pai de duas crianças pequenas, toca violão em uma banda de rock, joga tênis e participa de campeonatos. Por que quis estudar para se tornar escritor? Como arranjou tempo para isso?

R: Tento aproveitar o máximo cada hora do dia, durmo pouco, e creio que por ser assim, me adaptei bem ao ritmo de São Paulo. Joguei beisebol desde os dez anos, representei o Brasil em várias competições internacionais, mas parei porque precisava trabalhar. Penso que o tênis seja uma continuidade desta vida competitiva que ficou para trás. Por sua vez, a música e a escrita foram sonhos que não consegui concretizar quando jovem.

Você fez Formação em Escritor no Instituto Vera Cruz, onde os professores são Gabriela Aguerre, Julián Fuks e outros craques na nossa literatura. Isso o ajudou a escrever bem? Como?

R: Aprendi na pós que escrever um texto literário é muito diferente do que escrever um texto técnico. Foram dois anos de muitas leituras e escritas. Percebo nos meus colegas de curso o quanto eles amadureceram como escritores, sem perder, cada um, o seu próprio estilo. Acredito que o ofício de escrever também pode ser aprimorado com cursos e técnicas. Assim é no esporte, na música, no direito. E também na escrita.

A música dos anos 90 tem papel importante em seu livro. Existe, inclusive, uma playlist no Spotify para ser ouvida junto com o livro. Qual é a importância da música para você, como artista da escrita?

R: Fui aquele adolescente que gravava todos os discos, decorava as letras das músicas, o nome dos integrantes das bandas. Talvez seja impossível para mim escrever sem citar o rock dos anos 80 e 90, ou mesmo as músicas mais calmas que escuto hoje em dia. As melhores ideias que tive para o enredo do livro vieram quando estava fazendo alguma atividade alheia à escrita, mas sempre ouvindo um bom som tocando ao fundo.

A ação de “Seu jeito de soltar fumaça” se passa em Londrina/PR, onde você nasceu. O quanto de você existe em Ângelo? Ele é seu alter ego?

R: Muita gente tem me perguntado se a história do livro é a minha. Por ser meu primeiro livro, tentei escrever sobre coisas que conheço, sentimentos que já experimentei. Mas a história de Ângelo é inventada. Vejo nele certos traços da minha personalidade, mas também consigo ver isso em outros personagens. Posso dizer que Ângelo não é meu alter ego, mas um bom amigo que fiz.

Acompanha o cenário da Literatura Brasileira Contemporânea? O que anda lendo? A que horas você lê?

R: Tento acompanhar, sim. Os últimos autores que li foram Silvana Tavano, Roberto Taddei, Thiago Zanon e Daniel Galera. Tive o privilégio de ser colega na pós de uma escritora de quem sou fã, a Nathalie Lourenço, que já tem três livros lançados. Adoro tudo que ela escreve. Por fim, leio quando e onde dá, seja tomando café na padaria ou esperando alguma aula dos meus filhos, mas sobretudo antes de dormir.

Escrever para você é hobby ou profissão?

R: É um hobby ainda. Talvez quando me aposentar da carreira jurídica eu possa me tornar um escritor em tempo integral. Por ora, vou escrevendo como consigo, aos finais de semana, nas férias, curtindo o aprendizado que toda nova atividade traz. Adorei cada etapa do processo que culminou com o “Seu jeito de soltar fumaça” e posso dizer, sem qualquer dúvida, que terminar o livro foi a minha maior conquista até aqui.

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