Nascido em Indaial (SC) e tendo vivido em Florianópolis (SC), Salvador (BA), Campina Grande (PB) e Joinville (SC), onde mora atualmente, Claudinei Sevegnani transita entre as artes visuais, a dança e a literatura. Publicou o romance “Adelaide em terceira pessoa” (2022) e o livro de poesias “mapas dos campos minados” (2023), ambos pela Editora Urutau. Participou da FLIP – Festa literária de Paraty 2023 – na mesa “Viver-escrever – Três vozes da literatura atual dialogam sobre a relação entre suas produções literárias, seus trânsitos acadêmicos e seus múltiplos lugares de atuação”, na Casa de Cultura de Paraty, com as escritoras Natalia Borges Polesso e Regina Azevedo. Leiam a entrevista com o artista.
Você é doutor em Artes Cênicas e mestre em Dança. Essas artes precederam a literatura ou sempre estiveram juntas?
R: Gosto de pensar que essas coisas que faço são uma espécie de jogo: eu procuro brincar com as palavras como quem brinca com o corpo enquanto dança. A literatura e a dança são modos de dizer sobre um mundo, e posso afirmar que tanto a literatura quanto a dança estiveram sempre juntas no meu fazer, numa espécie de trânsito e de influências de uma pela outra, sem hierarquias. Escrevemos com o corpo porque somos corpo, escrever é um exercício de deslocamentos, de movimentos, de coreografias que se desfazem e se refazem de modos imprevisíveis. Escrever e dançar são práticas do corpo, do corpo que vive e que sente o mundo.
Dois livros publicados – poesia e romance – em um curto espaço de tempo. Em que circunstâncias cada uma dessas obras nasceu e se desenvolveu?
R: O romance surgiu primeiro através de um exercício simples a partir da pergunta: onde está Adelaide? Não me recordo exatamente quando surgiu Adelaide, mas o seu aparecimento e então seu desaparecimento me levou a escrever essas linhas sobre seu provável paradeiro e os motivos que a levaram a premeditadamente sumir, como uma resposta ao espírito do tempo que a cercava. O livro de poemas veio algum tempo depois e surgiu a partir de uma reunião de poemas que escrevi nos últimos dois ou três anos. Ao separar alguns deles, percebi que se comunicavam de algum jeito a partir de um ponto em comum, então o nome “mapas dos campos minados” chegou e deu sentido às páginas já reorganizadas.
Você participou da Festa Literária de Paraty 2023 ao lado de Natália Borges Polesso e Regina Azevedo, com mediação de Nanni Rios. Como surgiu este convite e como foi a experiência?
R: O convite surgiu a partir da curadoria da FLIP. Foi uma surpresa muito feliz que me levou pra um movimento que não pensei em experienciar agora. Mas aconteceu e foi maravilhoso estar lá. A mesa “Viver-escrever” não poderia ter sido mais certeira pra esse momento. Ao colocar em perspectiva os nossos modos de composição e de atuação e os trânsitos que percorremos – que foi a proposta central de discussão dessa mesa -, estamos também refazendo nossos passos e aguçando nossas memórias, abrindo espaço para inserção daquilo que a gente pode chamar de novidade: pequenos lampejos refrescantes, quentes e gelados, em meio ao mar de coisas que muitas vezes costumamos repetir. Acho que o legal da criação literária é isso: promover esses pequenos lampejos de novidade, fazer refrescar e esquentar o corpo pra continuarmos habitando nossas próprias vozes. A FLIP é esse lugar também, de habitar e ser habitado.
“Adelaide poderia ser uma planta tentando crescer em um deserto de areia e sal, ou um pingo de chuva na janela do ônibus, ou o nome de alguém que já morreu…” Quem é Adelaide, protagonista de seu romance “Adelaide em terceira pessoa”, e como ela surgiu?
R: Adelaide talvez seja uma resposta ou a tentativa dela frente a um modo de vida em que as interdições são forçadas, sem possibilidade de mediação ou conversa. Adelaide é essa tentativa de desvendamento de outros mundos, ela surge porque existe a necessidade de uma força que se rebele contra o estado das coisas. Adelaide é a personificação de um grito, mas um grito já dado há muito tempo e que está quase esquecido, um grito que ainda continua ecoando. Adelaide surge da fricção com a realidade, mas ela vai se entremeando num mundo ficcional em que já é impossível desaparecer. Contudo, Adelaide consegue esse feito e desaparece. O livro é sobre essas ausências provocadas por situações que nos levam ao limite, ausências que dominam os dias, que nos assolam.
Você tem um novo romance inédito cujo enredo também tangencia o tema do “desaparecimento”. Por que esse tema lhe é caro?
R: Os discursos que nós vamos elaborando nas nossas vidas se conectam um tanto com aquilo que experienciamos na pele. Meu palpite quase certo é de que este tema surge em revoadas a partir da morte do meu irmão. Então experimento as relações entre acúmulo e desaparecimento como práticas de criação nas coisas que faço. Meus desenhos e minhas aquarelas suscitam esse lugar do acúmulo, enquanto o que escrevo, a partir de uma lógica de superabundância, também flerta com o desaparecimento. Quando a gente tem coisas demais no campo de visão, fica difícil encontrar aquilo que mais estamos procurando. Desaparecer não é esvaziamento, mas alagamento, enchente, terremoto.
Como professor da rede pública de ensino na cidade de Araquari, Santa Catarina, e na formação continuada de professoras e professores, toma para si a tarefa de disseminar a leitura entre seus alunos – crianças ou adultos? Caso sim, como faz isso?
R: Precisamos firmar um pacto pela literatura, com foco especial na literatura que produzimos aqui no Brasil. E pra isso acontecer, precisamos mobilizar várias frentes. A educação é uma delas, mas não a única. Fomentar a literatura desde o berço é tarefa essencial para que criemos pessoas mais sensíveis e atentas ao mundo. Ler é presentificar o corpo, é trazer a presença pra agora, algo que nos é tão caro nos últimos tempos. A literatura pode promover um lugar de encontro. No meu trabalho enquanto professor e enquanto orientador na formação continuada de professoras e professores, procuro estimular esse trabalho e fortalecer um encontro com a literatura, instigando crianças, jovens e adultos a lerem diferentes vozes, corpos, ideias. E eu, enquanto pessoa lgbtqiapn+, posso afirmar, sentindo na pele, que é essencial para continuidade de nossas existências sermos lidas e ouvidas.
Quais são seus planos daqui para frente?
R: Quero continuar alimentando essa curiosidade que me mantém atento e vivo. Por isso continuo escrevendo, pois escrever também é um compromisso com o futuro, com alguém que eu ainda não sou. Mas escrever também é um compromisso com esse instante, e o plano também é pra já, fazer uma escrita que seja a do corpo aterrado no agora, pensando e agindo nesse mundo que ecoa a iminência de um colapso. Espero poder compartilhar o que faço com outras pessoas, agindo no presente, pensando e propondo modos de atritar o estado das coisas.