No percurso de um dia, um homem de 40 anos vai ao mercado e, indeciso sobre o que comprar, é acometido de uma coceira inexplicável que lhe tira a paz. “Agora, 93 minutos haviam se passado. 93 minutos sem que ninguém notasse o homem que se coçava à frente da gôndola do suco de laranja”. Alternando capítulos em terceira e primeira pessoa, o escritor e doutor em psicologia pela USP, Vitor Sampaio, vai desfiando os complexos, as comédias e as vergonhas de seu protagonista no romance “As pulgas” (Ed. Novos Ases), sua estreia na literatura. Leiam a entrevista com o autor.
Você é psicólogo, mestre e doutor em Psicologia pela USP. Esse conhecimento ajudou a escrever “As pulgas”?
R: Acho que escrever é um exercício de traduzir o modo como percebemos o mundo. Certamente não apenas os estudos formais, mas minha experiência clínica, compõem quem sou e orientam o modo como vejo a vida e este mundo que, posteriormente, tento traduzir nos textos, em especial no livro “As pulgas”.
Você é nômade digital e já visitou até hoje 65 países. Onde e quando surgiu a ideia de escrever o livro?
R: O livro foi publicado depois que iniciei minha jornada nômade, mas foi escrito antes dela, em 2019. Porém, a semente que permitiu sua escrita foi plantada em 2012, curiosamente durante uma viagem ao Rio de Janeiro, quando, desafortunadamente, acabei sendo devorado por percevejos em um hotel naquela cidade. Daí veio a pergunta: como seria uma vida infestada por pulgas?
Os capítulos em que o protagonista conversa com sua psicoterapeuta ou psicanalista lembram um pouco “O complexo de Portnoy” de Philip Roth. Quais são suas influências literárias?
R: Com certeza Roth é uma delas. O pretexto de “As pulgas”, com um inventado verbete sobre Pulgas é uma homenagem, justamente, a este livro do autor. Cito também Kafka como outra das minhas grandes influências.
Vivendo em constante movimento, e ainda atendendo a clientela de seu consultório com base no fuso horário do Brasil, como é sua vida de escritor: a que horas lê e escreve?
R: Tento ler e escrever um pouco todo dia. Nem sempre consigo escrever, mas sempre consigo ler. Quando estou no Brasil (ou a oeste do país) leio e escrevo no final do dia, depois do trabalho; quando estou a leste do Brasil, tento realizar estas atividades antes do trabalho, pois acabo finalizando o consultório muito tarde, já de madrugada.
Você está finalizando um livro de contos inéditos e tem um romance em andamento. Quais são seus planos como escritor?
R: Seguir escrevendo. Desde criança quero ser escritor, ainda que eu não entendesse direito o que isso significava na época. Hoje entendo que ser escritor é dar conta daquilo que, de outro modo, ficaria perdido. Escrever é me encontrar em mim.
A leitura de “As pulgas” faz a gente querer se coçar um pouco, rs. Já recebeu feedbacks desse tipo?
R: Já. As pessoas parecem se identificar um pouco com as angústias do Roberto (protagonista), alguém que não é totalmente gostável nem totalmente detestável. Suas neuroses ressoam no leitor, a coceira também. Acho incrível poder provocar esses sentimentos e reações nos outros a partir de uma história que criei.