O desenho extraviado de Hieronymus Bosch

“A extração da pedra da loucura” é um dos quadros da primeira fase do pintor holandês Hieronymus Bosch (1450-1516), e encontra-se hoje no Museu do Prado, em Madrid. A obra mostra uma espécie de operação cirúrgica que se realizava durante a Idade Média, e que consistia na extirpação de uma pedra que seria a causa da loucura do homem.

Publicado na França com o título de “Esquisse” e no Brasil como “O desenho extraviado de Hieronymus Bosch” (Ed. Almedina), o novo romance de Godofredo de Oliveira Neto, membro da Academia Brasileira de Letras desde 2022, parte da hipótese de um esboço perdido deste quadro para narrar a história de Luigi, especialista em Letras, dublê de advogado, filho de pai desconhecido e mãe de família italiana. Ele vai de Nova Iorque a Veneza e Florianópolis atrás da obra de arte que pertenceu a sua família. O autor fala mais sobre o livro nesta entrevista à Oasys Cultural:

Seu novo romance tem como tema de fundo o tráfico de obras de arte. De onde surgiu essa ideia?

R: Fui professor por um semestre na Universidade Ca’Foscari, em Veneza. Ao lado há um museu com obras do Bosch, uma das suas fases mais impressionantes. De uma beleza ímpar, mas de assustar. Visitei o museu 11 vezes e os quadros atemorizadores. Já tinha visto o quadro “A extração da pedra da loucura”, do Bosch, no museu do Prado, em Madrid. Comecei a escrever a partir das sensações provocadas por essa experiência.

À frente da trama policialesca se encontra Luigi, um herói que tem dúvidas sobre a própria raça e sobre o amor de Ana Júlia por si. Como se deu a construção deste personagem tão complexo?

R: Luigi é um personagem irresoluto. Ele está a procura do esboço de um quadro do Bosch que seria da sua família, mas na verdade ele está a procura de si mesmo. Ele vê a sua vida como um esboço de vida, daí o mergulho psicológico da narrativa. Daí também as fake news, mistura de verdade e mentira. Toda obra ficcional também começa assim, desfocada no início, como as fotos nas redes, e vai ganhando nitidez durante a composição da obra. Tal um esboço, uma esquisse, de um quadro.

“O desenho extraviado de Hyeronimus Bosch” também fala, ao longo da história, de uma “estranha gripe que vem da Ásia”. Em que época o livro foi escrito e como a realidade influiu nele?

R: O afeto e as contradições do meu Estado acompanham toda a trajetória da minha obra até agora. O romance O desenho extraviado aborda a questão racial, pois Luigi vai ingressar no Movimento Negro após a sua viagem aos Estados Unidos, onde ele é considerado negro. O romance, então, é também um romance de formação.

O senhor foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 2022. O que isso significa para sua carreira e como é ser “imortal”?

R: É uma honra muito grande conviver com colegas da mais alta estatura intelectual e, como escritor, sentar onde sentaram escritores e escritoras por quem tenho imensa admiração, como, por exemplo, Guimarães Rosa e Lygia Fagundes Telles, mas são dezenas na história da ABL.

Continua trabalhando como professor na UFRJ? O que essa vivência trouxe para sua vida como pessoa e como escritor?

R: Consigo separar a docência e a criação ficcional, são duas pessoas diferentes atuando.

O lançamento de “O desenho extraviado de Hieronymus Bosch” no Rio de Janeiro teve a presença de seus colegas da ABL, Fernanda Montenegro, Merval Pereira, Antonio Carlos Secchin, entre outros. Já está escrevendo outro livro? Quais são seus planos?

R: Estou escrevendo um romance passado no Rio de Janeiro nos dias atuais.

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