Maria que sabe o que quer

“Marias que vão e que não vão com as outras” (Ed. Chiado), da escritora e professora Isa Martins, reúne contos narrados de diversas perspectivas e todos fazem referência ao universo feminino. Uma adolescente favelada que se descobre lésbica; a comoção em uma escola quando mulheres resolvem frequentá-la sem sutiã; a violência doméstica enquanto se desenrola a pandemia do corona vírus. Longe de ser panfletário, o livro de contos de Isa Martins aproxima leitora e leitor de realidades ocultas para fazê-las chegar à luz a nossa consciência, por meio da literatura. Leiam a entrevista com a autora.

 

Quem são as Marias que vão e quem são as que não vão com as outras?

 

R: O ditado popular “Maria vai com as outras” sempre me incomodou. É usado para definir uma pessoa, na maioria das vezes mulher, que não tem opinião própria e se deixa convencer com facilidade. Pesquisei e descobri que a expressão surgiu após a chegada da família real portuguesa ao Rio de Janeiro. D. Maria I, mãe do príncipe regente D. João VI, teve sua instabilidade mental agravada após a morte de outro filho, D. José, e ficou conhecida como “A Louca”. Ela costumava passear às margens do rio Carioca, no antigo bairro das Águas Férreas, hoje conhecido como Cosme Velho, levada pelas mãos por suas amas. Ao ver a cena, muitos exclamavam: “Maria vai com as outras” ou “Lá vai Maria com as outras”. Mas ir com as outras, nesse caso, não era positivo? Acolhedor? Fortalecedor – para uma mulher fragilizada pela perda de um filho? Diante desses questionamentos, e de movimentos crescentes de coletivos e ações que conectam mulheres para somarem forças e realizarem seus projetos, nasceu o título do livro.

 

Assim, tanto as Marias que vão quanto as que não vão com as outras evocam questões sobre liberdade, respeito, violências e que lugares queremos efetivamente ocupar. O quanto conexão é força e que outros caminhos podemos tomar quando estamos amparadas. Já ouvi leitoras dizerem que se identificam com ambas as Marias, as que vão e as que não vão com as outras.

 

Seu livro traz uma epígrafe de Clarice Lispector. Ela é influência declarada em sua minibiografia na orelha do livro. Quais livros de Clarice gosta mais e por que?

 

R: Essa é uma escolha dificílima. A obra da Clarice definiu a minha trajetória profissional e acadêmica. Lembro até hoje do impacto que tive no início do conto “Felicidade Clandestina”. Quando li “Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados.” me vi naquelas linhas como se fosse a própria “filha do dono da livraria”. Desde então, os livros de Clarice se transformaram em mapas dos meus caminhos literários.

 

Nesse percurso, destaco “Perto do coração selvagem” pela inovação e pelo impacto que a obra causou na crítica e no público da época. “A paixão segundo G.H” eu admiro pelo fôlego do fluxo de consciência e pelas explosões metafóricas que conectam a barata ao ser humano. Não poderia deixar de citar “A hora da estrela”, onde, pelas linhas e entrelinhas do narrador Rodrigo S.M, e pelo compartilhar do seu processo de escrita, vemos nascer a inesquecível Macabéa.

 

Os contos de “Marias que vão e que não vão com as outras” poderiam ser chamados de femininos? Ou feministas? Por que?

 

R: Em todos os contos há o encontro do feminino com o feminismo, se pensarmos que apresentam questões sobre o universo da mulher, como as violências das quais somos vítimas, o feminicídio, a obrigação do casamento e de outros papéis que nos sentimos, muitas das vezes, obrigadas, a representar.

 

A vivência em sala de aula transparece em mais de um conto no livro. Quando e onde a professora e a escritora Isa Martins se encontram?

 

R: Na formação do leitor literário, quando faço as rodas de leituras e atividades escritas com os estudantes. Nesses momentos, a escritora visita a professora e tenho vontade de levar todos os alunos para cursos de escrita criativa, diante da riqueza das trocas, comentários e criatividade. No momento em que me sento para escrever, esse universo escolar, com suas histórias reais e fictícias, me inspira.

 

Você faz parte do Mulherio das Letras. Explique o que é esse coletivo e qual a importância dele para você?

 

R: Explicar o Mulherio das Letras é um desafio gigante. Sei que meu olhar será um recorte diante da grandiosidade desse grupo. De moro geral, o Mulherio das Letras é um coletivo literário feminista que reúne cerca de sete mil escritoras, editoras, ilustradoras, pesquisadoras e livreiras, entre outras mulheres ligadas à cadeia criativa e produtiva do livro, no Brasil e no exterior, a fim de dar visibilidade, questionar e ampliar a participação de mulheres no cenário literário.

 

Meus primeiros passos no coletivo foi no Mulherio das Letras Portugal, pois eu estava morando lá. Através delas, conheci outros coletivos, como o Canal Sororidade, que tem a campanha Por mais mulheres escritoras, que acho fundamental. A partir desses encontros, a minha escrita ganhou força e a coragem de publicar aumentou até se concretizar.

 

Quais são seus planos como escritora?

 

R: Ser mais uma gota desse maravilhoso oceano de sentidos chamado Literatura.

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