Delicado como uma brisa de primavera, “Haikai” não é um livro de poesias – embora sua narrativa seja pontuada pelos versos curtos do poeta japonês Matsuo Bashô (1644-1694) –, mas um romance breve que encerra variados saberes sobre a cultura japonesa e sua interseção com a brasileira. Leiam a entrevista com a autora, Cássia Penteado
O Brasil abriga a maior colônia japonesa do mundo fora do Japão. No entanto, tirando São Paulo e Paraná, onde se concentra a maioria dos descendentes de japoneses, os outros estados brasileiros tem pouca familiaridade com a cultura nipônica. De onde surgiu a ideia de retratá-la em seu romance?
R: Nos últimos anos, o paulistano vem descobrindo o calor de um ramen, o prazer de sentar no balcão de um izakaya e desfrutar da exótica culinária japonesa. Daí para se interessar pela cultura desse país, é um passo prazeroso. Escrevendo “Haikai”, pulsava em mim o desejo de que esses tesouros orientais fossem do conhecimento de todos e também uma homenagem aos descendentes de japoneses que estão aqui. No entanto, a divulgação da cultura japonesa no Brasil ainda é precária. Tive dificuldade para encontrar material de pesquisa. Precisei recorrer a especialistas.
Você já declarou que, antes de iniciar um novo livro, necessita de uma imersão no tema, o que inclui viagens e entrevistas, a fim de se abastecer de informações. Como foi a pesquisa para o romance “Haikai”?
R: Entrei em contato com o Centro Cultural Brasil-Japão, precisava de alguém que me orientasse no tocante aos aspectos culturais, históricos, e geográficos japoneses. Precisava saber, por exemplo, sobre o sentimento de um casamento arranjado, do ponto de vista de um oriental. Fui então encaminhada para Jo Takahashi, especialista em cultura japonesa. A chef Telma Shiraishi me orientou sobre a culinária Kaiseki. Visitei e entrevistei ceramistas como Hideko Honma, em São Paulo. Em Cunha, conheci o Forno Noborigama para queima de cerâmica a 1.400 graus. Todo o processo de pesquisa foi uma das mais belas experiências que vivi.
Você vive em São Paulo, onde o Bairro da Liberdade é conhecido como o maior reduto da comunidade japonesa na capital. Como foi ou está sendo a recepção do livro entre os descendentes de japoneses?
R: A começar pelos descendentes de japoneses envolvidos na pesquisa de “Haikai”, todos estiveram presentes, levaram amigos e parentes, sentiram-se homenageados, divulgaram o livro entre seus contatos. Algo que me comoveu profundamente! Dei entrevista a um jornal japonês. Alguns outros eventos que já deveriam ter ocorrido, mas as festas do final do ano e a pandemia atrasaram esses acontecimentos. Estamos retomando agora. Que “Haikai” seja essa brisa que envolve, anuncia e aproxima culturas.
Além de uma bela e tocante história, “Haikai” é uma romance sensorial que nos faz experimentar cores, sabores e sensações que remetem ao universo da cultura oriental. Como desenvolveu esse estilo de narrar?
R: “Haikai” não leva esse título à toa. É preciso saber muito bem o que se pretende dizer para poder dize-lo com poucas palavras. Desde o início eu sabia que a linguagem para escrever esse livro, deveria ser breve e tônica. A imersão no universo japonês, leitura de alguns livros de autores orientais, de haicais, foram naturalmente me dando o tom que eu buscava. O espaço em branco entre os parágrafos. O “Ma”. O vazio místico japonês.
Haicai é um gênero poético fundado pelo japonês Matsuo Basho (1644-1694) que se caracteriza por três versos curtos, sem rimas e com temática bucólica. Os capítulos de “Haikai” são pontuados por versos de Basho. Como foi o processo de escolha desses poemas para compor o livro?
R: Eu lia haicais de alguns autores para me inspirar, para entrar no universo da escrita. Mas encontrei nos haicais de Bashō uma identidade maior com meu texto. Introduzi os versos onde senti que eles iniciavam o que eu diria ou concluíam meus escritos, onde havia diálogo entre os versos de Bashō e a minha prosa haicai, onde quer que incidissem, e apenas onde isso aconteceu.