A particularidade invisível do cotidiano

O livro de estreia de Gustavo Tadeu Alkmim, mestre e doutor em Literatura pela Puc-Rio, mergulha fundo nas questões de vida ou morte em contos que são como um jogo de espelhos entre o reflexo e a reflexão, entre o futuro e o agora, ao mesmo tempo em que ecoam as vozes de mestres como Clarice Lispector, Cecília Meireles e Carlos Drummond de Andrade no eterno presente da boa literatura. Oasys Cultural convida a ler a entrevista com o autor.

 

Você é um juiz com longa e bem-sucedida trajetória. Mas, ao avançar na carreira acadêmica, decidiu cursar mestrado e doutorado em Literatura. Como se deu essa escolha? Como foi vista por sua família e colegas juízes?

 

R: Quando decidi estudar teoria literária e estudos culturais, muitos estranharam. As tinha certeza que literatura e cultura contemporânea teriam reflexos imediatos no meu olhar para o Direito, influenciando e ampliando o modo de interpretar a lei e a forma de aplicá-la nos processos. A maneira como um juiz interpreta a lei – que é carregada de subjetividade – é aspecto fundamental no ofício de julgar.

 

Alguns contos de “O futuro te espera” são resultado de exercícios na oficina literária do Professor Ivan Cavalcanti Proença. Quanto essa vivência o ajudou?  

 

R: Fazer parte da OLIP – Oficina Literária Ivan Proença – foi essencial para eu tirar os meus textos da gaveta, sem receio da exposição, aprendendo com o erros, corrigindo vícios de linguagem (inclusive o “juridiquês”), sempre contando com os ensinamentos e a generosidade do Professor Ivan, aquele que mais me estimulou a publicar o livro.

 

Os contos de seu livro falam de situações cotidianas onde surge o inusitado. De onde vêm esses temas? Da observação do dia a dia? Ideias que anota? Situações que viveu? Imaginação?

 

R: Não anoto nada. As situações narradas não necessariamente aconteceram comigo e não necessariamente sou alguns dos personagens dos meus contos, mas estou presente em todos eles. São situações em que procuro ressaltar os detalhes, usando das minhas experiências de vida, meu sentimento e imaginação, suposições. Esse é o exercício de criar uma obra de ficção ― e não uma autobiografia. O lado que mais procuro explorar são as complexidades, as contradições e os paradoxos presentes em todo ser humano, na particularidade invisível do cotidiano, no imponderável.

 

Todo escritor é, antes de tudo, um bom leitor. Quais são suas influências literárias, autores e livros que o formaram?

 

R: Machado, Machado, Machado. O romancista, o contista, o cronista. A ironia, o olhar arguto e detalhista, a crítica social não explícita, mas presente nas entrelinhas – de forma mais dilacerante que qualquer panfleto político, e tão profunda como um bom tratado sociológico. O impacto da primeira leitura de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, ainda na adolescência, é inesquecível. Assim como, ler pela primeira vez “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel Garcia Márquez, foi uma experiência maravilhosa. Ler – e estar sempre relendo – Dostoievski faz parte da minha formação literária. Além de Drummond e Fernando Pessoa, cujo modo de olhar o mundo ajuda a construir tudo que escrevo hoje.

 

O que é a literatura para você?

 

R: A literatura é o lugar do refúgio, do aprendizado, do olhar do outro, da distração, do prazer, da política. Lança mundos no mundo, como sintetiza Caetano Veloso: “A frase, o conceito, o enredo, o verso. É o que pode lançar mundos no mundo”.

 

Quais são seus planos como escritor?

 

R: Continuar escrevendo, continuar publicando. Quem publica quer, evidentemente, ser lido – ainda que por cinco leitores, na ironia de Brás Cubas. A escrita tornou-se, para mim, uma necessidade. É o lugar do meu encontro comigo mesmo. Então, sem prejuízo do direito e da magistratura, almejo também ser conhecido e reconhecido como um bom escritor. Para tanto, continuo aprendendo – seja com a permanente leitura, seja no meu laboratório que tem sido a Oficina Literária do Ivan Proença. Aprender nunca é demais; ler nunca é demais; escrever nunca é demais.

 

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