“Tronco de canoa” é o segundo livro de Adilson Zambaldi pela Editora Reformatório, escritor corajoso que foge às definições ao criar um guia poético das mais de 90 praias do litoral de Ubatuba/São Paulo, em uma série de narrativas curtas que podem ser vistas/lidas como prosa ou poesia. Em textos com forte carga imagética, Zambaldi – formado em Pós-graduação de Escritores pelo Instituto Vera Cruz e pelo Curso de Livre Preparação de Escritores da Casa das Rosas – abarca tradições, lendas e pessoas em pequenos recortes de histórias cujos protagonistas são o tempo e o espaço. Leiam a entrevista com o escritor.
“Tronco de canoa” é um livro bastante original e audacioso pela forma e o tema. Como surgiu a ideia desse projeto?
R: “Meu quintal é maior que mundo”, depois de ler o verso de Manoel de Barros, entendi que deveria retornar às minhas origens e contar um pouco da experiência caiçara. Sou de Ubatuba, Litoral Norte do Estado de São Paulo. Uma orla formada por mais de 90 praias, onde cada uma delas representa microterritórios, com suas particularidades e funcionamento próprio. Daí a opção pela forma breve, cada página funciona como postais poéticos dessa geografia.
O livro ganhou um prêmio no 21º Salão Internacional de Arte Contemporânea, de Madri, Espanha. Em qual categoria foi premiado e como foi a experiência?
R: A obra recebeu o prêmio na categoria especial de melhor livro da mostra internacional de artes que ocorreu em abril de 2023, na Espanha. Para além da surpresa, o reconhecimento tem contribuído para a divulgação da obra, reflexões socioambientais e captação de novos leitores.
Você visitou todas as 98 praias contempladas no sumário para escrever o livro?
R: Percorri quase todas, com acesso por terra ou mar. Dá para contar nos dedos as praias em que não flanei, seja por especulação imobiliária ou adversidades climáticas.
O livro teve lançamento em Ubatuba? Como foi a recepção da comunidade local para o livro?
R: Este projeto foi gestado por cinco anos em total anonimato. Na posição de flâneur, não queria colocar em risco a naturalidade das impressões capturadas a cada visita, a cada conversa espontânea que surgia à beira-mar. Inclusive, a premiação internacional do original me trouxe uma preocupação, de como seria a receptividade da minha gente. Mas para nova surpresa e emoção, fui acolhido com muito afeto. As pessoas se identificam com a obra. Acredito que o grande feito é a representatividade. Este livro é dedicado à população caiçara. Sem a receptividade dessas pessoas, a obra seria apenas uma reunião de palavras bonitas.
A capa do livro traz a pintura a óleo “Tempos vividos” de Tiano Mendes. Conte-nos como foi a escolha dessa capa.
R: A canoa caiçara é feita a partir de um único tronco, esculpido ainda na Mata Atlântica antes de chegar à praia. A pintura foi feita especialmente para o projeto. O Tiano Mendes é para além de um grande artista plástico, um amigo de infância, defensor da cultura caiçara em Ubatuba. Contar com seu talento neste projeto literário aflora o meu desejo de levar a fragilizada narrativa caiçara para um público maior e ajuda a ampliar os diálogos.
Você também é autor do livro de microcontos ilustrados “Corra Zamba – Contos rápidos para ler sem pressa” (Ed. Patuá, 2017) e de “Fidelidade das araras” (Ed. Reformatório, 2022), cujos contos não alcançam muitas páginas. Por que a preferência pelo estilo “narrativa curta”?
R: Acredito que seja o meu defeito de fabricação. A concisão me acomete. Sou fascinado pela narrativa breve e os gêneros que ela abarca, do poema ao ensaio, da crônica à novela. O livro Tronco de Canoa borra as fronteiras de gêneros e possibilita um olhar contemporâneo sobre a cultura caiçara e, em alguma medida, sobre o fazer literário.
O que tem lido atualmente? Quais são suas influências literárias?
R: A cada projeto, vou reunindo uma patota literária. Uma busca por referências e por distanciamentos. De modo geral, minhas leituras passam por autores e autoras do século XX e XXI. De Manoel de Barros a Aline Motta. De Annie Ernaux a Conceição Evaristo. De Han Kang a Matilde Campilho. De Byung-Chul Han a Ailton Krenak. De Clyo Mendoza a Sara Gallardo. De Lydia Davis a João Anzanello Carrascoza. De Alberto Martins a Maria Fernanda Elias Maglio. Da poesia moderna à prosa contemporânea. O que posso dizer é que tem muitas pessoas talentosas na literatura brasileira hoje. Vale muito conhecer a escrita da Helena Machado, Pók Ribeiro, Euler Lopes, Daniel Minchoni, Alê Motta, Tiago Germano, Paula Fábrio, Maria Eugênia Moreira, Ednilson Toledo, Sérgio Tavares, Luis Cosme Pinto, Santana Filho, Decio Zylbersztajn, Renato Muniz, Renata Fiorenzano Marques, Tiago Feijó, Lucas Verzola, André Balbo, Eliane França, Michelli Provensi, Amara Moira, Flávia Péret, Jéssica Moreira, Marcela Dantés, Menalton Braff, Lilia Guerra, Vanessa Passos. E tantas outras pessoas que estão na linha de frente, fazendo a literatura brasileira acontecer.
Ter feito a Pós-graduação de Escritores pelo Instituto Vera Cruz ajudou a carreira de escritor? Como?
R: A pós-graduação do Vera trouxe um embasamento teórico muito profundo. Não só isso, aliado à prática das oficinas semanais, pude entender meu jeito de fazer literatura e ampliar meus recursos técnicos com pessoas muito empenhadas e respeitadas no meio acadêmico e literário. Minha biblioteca é outra depois do curso.
Você é publicitário premiado com o Ampro Globe Awards e pai da Nina, de 2 anos. Como organiza sua rotina para conseguir ler e escrever?
R: O tempo da literatura é de outra ordem. Escrevo depois que o dia encerra e a Nina adormece. Procuro reservar um momento da noite para ler ou escrever. Claro que não é sempre que consigo. Sou redator e revisor, há noites em que o trabalho se estende e a vista cansa. Nestes casos, o melhor a fazer é acompanhar o relógio biológico da Nina, ler uma das histórias da vaca laranja que ela adora (autoria de Albertine e Germano Zullo) e tirar proveito de uma boa noite de sono.