A história de um escritor que sucede a Paulo Coelho na Academia Brasileira de Letras e depois desaparece é pretexto para Maurício Melo Jr. tecer uma trama entre o humor e a metalinguagem para falar de livros, literatura e do meio literário brasileiro, em especial, os meandros da ABL, que conhece muito bem, por ter dirigido a série de documentários “Histórias de Acadêmicos”, exibida na TV Senado. Usando técnicas de romance policial, o autor diverte e faz refletir sobre os círculos de relações e interesses que permeiam qualquer profissão – até mesmo a de escritor. Leiam a entrevista com Maurício.
Seu romance cita abertamente Paulo Coelho e revela os bastidores da Academia Brasileira de Letras. Em algum momento teve receio de criar polêmica ou se indispor com os membros da ABL?
R: Não, até porque o romance reverencia a Academia. Em momento algum é desrespeitoso com a instituição. Quanto a Paulo Coelho, se deve ao fato da trama precisar de uma vaga na Academia para se fazer. Claro que eu poderia usar a imaginação, criar um escritor fictício, como fez Jorge Amado no romance Fada, Fardão, Camisola de Dormir. No entanto, a Cadeira 21, hoje ocupada por Paulo Coelho, tem uma trajetória no mínimo curiosa, e que o leitor pode ver no romance que escrevi.
O personagem Alberto Castelli foi inspirado em alguém da vida real? Ou em um conjunto de pessoas?
R: O personagem pode ser visto como um caleidoscópio de uma porção de gente que anda por aí. Na verdade, não é ninguém específico. Apenas o retrato de pessoas que veem na literatura uma forma de ascensão social, uma personificação da vaidade que domina muita gente do meio literário.
Juarez de Castro, por sua vez, é seu alter ego?
R: Não. Ele nasceu das necessidades do romance. E retrata a trajetória de muitos jornalistas que, num determinado ponto da vida, tiveram influência, entraram em decadência, mas conseguiram dar a volta por cima. Uma história banal, até.
Se pudesse ir atrás, investigar e escrever a biografia de algum escritor ou escritora, vivo ou morto, quem elegeria?
R: Tenho um sonho antigo de biografar Hermilo Borba Filho. Ele me despertou para o fato de que a literatura está em nosso quintal. Percebi isso ao ler, em 1976, a novela Os Ambulantes de Deus, que tem como cenário a cidade de Palmares, em Pernambuco, onde eu morava então. Daí fui em busca de sua obra e descobri um intelectual visceral e um homem íntegro, que nunca abriu mão de suas crenças artísticas. Creio que sintetiza o fazer cultural de grande parte do Século XX no Brasil.
Seu romance anterior, “Não me empurre para os perdidos” (Cepe), tem um quê de realismo fantástico ao trazer Franz Kafka para o centro da trama. Como esse livro e o atual dialogam? Ou não dialogam?
R: Acho que não chegam a dialogar, embora falem de um ambiente literário, cultural. Isso porque procuro seguir o caminho aberto por Ferreira Gullar: cada novo livro deve ser uma nova experiência. Meu primeiro romance, Noites Simultâneas, fala da repressão política com uma linguagem seca, dura até. Não me Empurre Para os Perdidos conta de um país desencontrado em suas contradições dentro de um linguajar onírico. Nesse Sujeito Oculto procurei um clima noir, ponteado com um dizer picaresco, mas dentro da estrutura do romance policial clássico. E um romance que está inédito, O Tardio, conta de um hippie fora do tempo em busca dos resquícios da contracultura, um enredo dito com lirismo e certa poesia.
Você nasceu em Catende (PE), colabora para o Suplemento Literário de Pernambuco e mantém ligação forte com o Nordeste. Como essa influência se manifesta na sua literatura? O regionalismo é inevitável para quem vem dessa região do Brasil?
R: Acho que é inevitável a quem escreve, seja em que região se instale. Não consigo ler Marques Rebelo e Lima Barreto sem sentir o clima regional do Rio de Janeiro. Os sentimentos, o falar, tudo de sua gente está ali. No meu caso, embora more fora do Nordeste há mais de quarenta anos, não consigo me dissociar de seu sotaque. E, creio, isso dá certa autenticidade à minha literatura.
O programa Leituras se mantém vivo por mais de duas décadas e já entrevistou quase todos os escritores brasileiros. Como anda o programa na fase atual?
R: Anda muito bem. Quando me aposentei do Senado Federal achei que iria parar com o Leituras, mas a direção da TV me pediu para continuar. Atualmente gravamos 26 entrevistas por ano que são veiculadas, além da TV Senado, em todas as TVs legislativas e em outras emissoras, como TV Sesc e TV Brasil. Acabamos de fechar a segunda temporada de 2023 e já estamos agendando as gravações para a primeira temporada de 2024.
Você tem investido mais na carreira de escritor, e em tornar-se reconhecido como escritor? Como está sendo essa jornada? Escrever sempre foi um desejo, um sonho?
R: O princípio é o leitor. Sempre fui um leitor, e desde muito cedo. Aos dezoito anos já tinha lido todo Machado de Assis, José Lins do Rego, Lima Barreto, Graciliano Ramos, Hermilo Borba Filho e outros. O escritor veio da inquietude do leitor, de querer também contar histórias. E se adensou depois que o jornalismo passou a exigir menos de mim. Hoje tenho maior disponibilidade para me dedicar à profissão da escrita (sim é uma profissão, embora, coitada, tão incompreendida e explorada). E tenho sentido muito prazer em escrever com mais intensidade, conversar com editores e leitores, trabalhar na divulgação das histórias que conto.
Você tem uma das maiores e melhores bibliotecas do Brasil, além de uma coleção de estátuas de Dom Quixote. O que te fez leitor? O que poderíamos fazer para transformar o Brasil em um país que tivesse mais leitores, e que valorizasse mais os livros?
R: Costumava brincar dizendo que foi o fato de não saber jogar bola que me fez leitor. Enquanto meus amigos de infância iam jogar eu, sem nada para fazer, ia ler. Parei com a brincadeira depois que li uma entrevista de Umberto Eco contando a mesma história. O fato é que não lembro de mim sem um livro à mão. E foi o prazer da leitura com liberdade que me fez leitor. E aí está o caminho: dar acesso ao livro sem censura, mas com certa orientação. Se você der Dom Casmurro a um menino de nove anos talvez ele passe a odiar literatura, pois pode não entender nada do que leu, nem criou intimidade e identificação com o texto. No entanto, se você oferecer a poesia de um rapper, como Gog, por exemplo, certamente estará construindo um leitor. Na infância li muito gibi, a Turma da Mônica, Recruta Zero, Meio Quilo, e isso me levou aos livros. Acho que precisamos retomar projetos como o da antiga revista Recreio, da Editora Abril.