Rock pesado, camisetas negras, cabelos compridos e olhar enfadado refletem não apenas a rebeldia da adolescência como também o receio de adentrar a vida adulta, se “enquadrar” – e quem não passou por isso? Os personagens de “Enxofre”, primeiro romance do escritor Marcos Aquino, trazem o cheiro de álcool e cigarro, dos quartos ao meio-dia com cortinas cerradas, guitarras distorcidas e a ânsia de chegar a algum lugar além da mediocridade que parece reinar. Mais que um romance de formação, o maior atrativo deste livro adorável e corajoso, é a maneira de narrar: “Em Piedade, longe da civilização, ainda na tarde alta, havia também toda uma sonolência própria que continuava atrás das janelas fechadas, varandas vazias e patas caninas em repouso entre as grades dos portões.” Leiam a entrevista com o autor.
Percebe-se a influência do clássico beatnik “On the road”, de Jack Kerouac, em “Enxofre”, inclusive, a obra é citada no final. Qual é a importância deste livro para você, como escritor, e qual é a importância da leitura, de modo geral, para quem deseja escrever bem?
R: Tenho certa predileção por livros que retratam a juventude. Para mim, o campo de possibilidades do personagem é maior. As indefinições se ampliam. Gosto da ideia de personalidades em formação. No livro do Kerouac isso está colocado de maneira totalmente metonímica: abarca os desafios que constituem uma nação inteira e suas contradições. Tentei trazer um pouco disso para o nosso contexto e nossos próprios desafios estéticos. Em relação à importância da leitura, o que posso dizer é que todo escritor é um leitor, em primeiro lugar, e a qualidade do que você lê vai, inevitavelmente, influenciar na qualidade do que você escreve.
“Enxofre” tem uma trilha sonora/playlist no Spotify, com uma potente seleta de músicas de bandas heavy metal. Você é um amante desse gênero musical? Também ouve MPB? A música influencia na sua literatura? Como?
R: Gosto de muitos gêneros musicais, incluindo MPB. Música e literatura para mim estão juntas, se entrelaçam em muitos aspectos. Veja o exemplo do “On the Road”: entendo esse livro como um jazz literário, onde a narrativa possui uma estrutura ligada à espontaneidade e momentos de total improviso. Nele a juventude é claramente associada a um gênero musical. Me inspirei no autor beatnik para realizar, no meu caso, não um jazz literário, mas um heavy metal literário e por isso a minha escrita é pesada, de frases longas e preza pela técnica e pela grandiloquência de recursos.
A temática do seu livro é semelhante à de “Daisy Jones and the Six”, de Taylor Jenkins Reid, cujas vendas no Brasil foram impulsionadas pela série na Amazon Prime Video. É desafiador, para um autor brasileiro, chamar atenção para sua arte tendo em vista a concorrência dos estrangeiros? Como lida com isso?
R: Considerando a predileção das editoras pelo universo anglófono, entendo isso como um desafio colocado a todos os escritores da periferia global. Curiosamente, não vejo o meu livro concorrendo diretamente com os estrangeiros, pois falo da nossa realidade material, dos marginalizados em sentido amplo. Trata-se da história ficcional de uma banda que apela, obviamente, para uma linguagem musical importada, mas a história que eu conto toca em questões essencialmente brasileiras, cariocas e suburbanas. Tem muito de Sepultura e Gangrena Gasosa na minha proposta. Para termos uma ideia, o título original desse livro, com o qual ele foi finalista do Prêmio Sesc, era “Carnaval Dark”. Só isso já pode dar uma noção das escolhas estéticas que eu faço.
“Enxofre”, à primeira vista, pode parecer um romance young adult de entretenimento, mas é uma narrativa 100% literária. De onde vem essa forma de narrar? Como desenvolveu a sua voz de escritor?
R: Minha voz de escritor é totalmente orgânica, talvez um pouco como aquele tipo de sonoridade que brota naturalmente quando se pega um instrumento e o pratica intensamente. Nesse sentido, a escrita é como a música, ou seja, eu não fui buscar essa voz. Ela me constitui, ela é resultado da minha conexão com um lugar específico, no caso, um território chamado subúrbio do Rio de Janeiro. Os sons suburbanos ecoam em tudo o que eu faço.
“Enxofre” terá lançamentos no subúrbio, onde se passa a trama, e na Zona Sul do Rio de Janeiro. Quais são os próximos passos? Está escrevendo algo novo?
R: Vislumbro um novo romance, mas neste momento tenho a intenção de fazer as pessoas conhecerem “Enxofre”. Quem sabe algum produtor ou produtora de cinema não se interessa pela história? Acho que pode virar um ótimo filme.