“Náufragos do escolho: (Ou os 98 infernos possíveis, 63 takes, dois jogos de armar e algumas armas mortais)” (Ed. 7Letras), livro de estreia do mestre em História, tradutor e escultor Francisco Rogido, brasileiro radicado nos Estados Unidos, reúne contos onde obsessões, violência, comédias e tragédias são narradas por meio de frases curtas, às vezes minimalistas e contundentes, em que oralidade e poesia se entrelaçam. “Escolho”, a propósito, é um termo náutico que designa o “topo de um rochedo à flor da água”, capaz de levar um navio a pique, ou de salvar náufragos. Leiam a entrevista com o escritor.
Quem são os náufragos do escolho?
R: “Náufragos” é um livro de contos com personagens essencialmente sobreviventes que se assemelham às vítimas de um afundamento, perdidas num oceano em busca de um sentido. Mulheres e homens que historicamente vêm sofrendo algum nível de apagamento social e que continuam nesse processo de esquecimento forçado sendo empurrados para as margens de uma invisibilidade atávica. Tentei dar visibilidade para as digitais deixadas por alguns desses personagens e com isso restituir seu senso de pertencimento.
Alguns contos deste livro foram escritos há muito tempo. Entre escrever e publicar, quantos anos se passaram? O trabalho de reescrita foi intenso neste período? O que mudou ou acrescentou?
R: Uma parte desses contos ficou entre os dez finalistas do concurso Jovens Escritores Latino-Americanos, realizado pela Aliança Francesa de São Paulo, em 2008. Outra parte foi publicada na Revista Cult e em revistas na Espanha e em Portugal. De lá para cá, coloquei-os numa gaveta e fui tratar da vida. Apenas recentemente os resgatei. Editar, cortar, reescrever, enviar originais as editoras, e lançá-los em livro, me tomou cerca de dois anos.
O universo da maioria dos seus contos é ao mesmo tempo cômico e macabro. Quais são suas influências artísticas? O que te move e te comove?
R: Nos últimos anos, tanto o Brasil quanto os Estados Unidos provaram que o bizarro, o bárbaro, e até mesmo a tragédia humana alcançaram dimensões muito próximas na política. Tentei mostrar que por qualquer descuido ou distração podemos nos deixar levar por essa cultura da violência, do ego, da vulgaridade, da barbárie e da mediocridade. Meu cuidado é para não subestimar a inteligência dos meus leitores, a quem não conheço, mas a quem dedico profundo respeito.
Você é artista plástico e trabalha com madeira de demolição, tendo sido exibido nos Estados Unidos e Espanha com xilogravuras e esculturas. Como as artes plásticas e a literatura convivem e se harmonizam?
R: Não me considero artista, apesar de sempre, desde os anos de faculdade, ter apreciado ler os historiadores e teóricos da estética. Demorei 15 anos para deixar a área de Humanas e mergulhar na gravura e escultura. A maderia e a xilogravura são os meios e a técnica favoritos para mim porque têm essa essência brasileira do diálogo entre poesia e imagem. Arte e a literatura dialogam, sim. Claro! Elas servem para fundar novas maneiras de olhar para o mundo e gerar novas perspectivas.
Você é brasileiro radicado há mais de 20 anos na Califórnia. Consegue acompanhar a cena literária no Brasil? Como faz para se atualizar?
R: Posso acessar muito do que é publicado no Brasil em formato e-book. As vezes alguns amigos me mandam livros físicos, às vezes vou até à biblioteca da UCLA, onde tenho bons amigos professores que pegar livros emprestados para mim. Nos tempos em que trabalhei na Library of Congress e Oliveira Lima Library, conseguia ler absolutamente tudo que saía no Brasil, pois eles compram boa parte do que é publicado no país. Agora é um pouco mais difícil, mas ainda assim sempre consigo ler o que quero ler.
Você lê mais literatura norte-americana ou brasileira? Quais são seus escritores favoritos, norte-americanos e brasileiros?
R: A lista é longa. Da literatura americana, gosto do Capote e da turma da The New Yorker, bem como do Faulkner e Steinbeck, que ainda hoje conseguem me emocionar profundamente. Na narrativa do cotidiano, nada se iguala a John Fante e Bukowski. Dos autores atuais, gosto muito do Junot Diaz e da Tayari Jones. Além do Paul Auster – que atravessou o espelho recentemente – e sua companheira Siri Hustvedt. Ambos escrevem como um documento histórico cotidiano de uma América urbana decadente. Os ensaios da Sontag são atualíssimos. Literatura brasileira é um capitulo à parte, são inúmeros.
O título do seu livro não é fácil de entender – pela escolha da palavra “escolho” – e a imagem de capa é uma pintura do também artista plástico Lula Palomanes, que causa certo estranhamento, mas que sem dúvida dialoga com o que escreve. Em um mundo comandado pelo marketing, você ousa não fazer concessões para agradar? Como é sua percepção disso?
R: Não sei bem o que dizer sobre gostar ou não do marketing, pois o mercado tem sua lógica. Li em algum lugar recentemente que 50% da população brasileira acima de 6 anos, não leu nenhum livro nos últimos 3 – 4 meses. Acho isso bem triste. Portanto, quem deve se preocupar com o mercado, o marketing, as vendas, são exatamente as parte envolvidas. Sobre a capa, o Lula Palomanes é um fera que fez, sim, a capa dialogar perfeitamente com todo o ambiente do livro. Irmão de um amigo meu, conheço-o há anos, desde os tempos do saudoso Caderno Idéias do JB.
Você vem ao Rio de Janeiro, sua cidade natal, para o lançamento de “Náufragos do escolho”. O que espera dessa viagem? O que gostaria de alcançar com seu livro?
R: As expectativas para o lançamento são as melhores possíveis, espero encontrar os amigos e professores, alguns dos quais não vejo há 30 anos. Em relação ao alcance, sou bem realista sobre a dimensão de um primeiro livro. Gostaria apenas que despertasse alguma curiosidade, circulasse e fosse lido. Acho que esse é o desejo de qualquer pessoa que escreve.