A coragem e a entrega de um jovem escritor

Alguém apavorado com a perspectiva de que os prédios vão desabar se muda para o campo e se põe a pesquisar sobre as etapas da construção de edifícios. Um pastor de ovelhas, preso ao alto de uma árvore, cuida para que o rebanho não seja atacado por lobos. Os contos que marcam a estreia de José Pedro Brombim na literatura têm forte teor psicológico e flertam com o fantástico, o insólito, o nonsense. Ecos de Kafka, Raduan Nassar, James Joyce e Guimarães Rosa se fazem presentes, mas não chegam a eclipsar o estilo original e vigoroso de uma nova voz que desponta e encanta. Leiam a entrevista com o autor de “Diálogos humanos” (Ed. Folheando).

Como a escrita surgiu em sua vida?

R: A escrita surgiu em minha vida como reação à leitura. Sempre fui encantado com o que irrompe diante de nós quando contamos ou ouvimos uma história. Porém, foi só após terminar pela primeira vez “Ensaio sobre a cegueira”, do Saramago, que tive o desejo de colocar no papel as ideias que me acompanhavam. Não sei exatamente a razão. À época, havia acabado de largar o curso de Ciências Econômicas; ainda estava um pouco perdido em relação ao que faria da vida. Terminei o livro, sentado no sofá, e senti um choque, um impulso. Levantei-me e corri para o computador. Desde então nunca parei.

De onde vem este título, “Diálogos humanos”, e como ele se relaciona com os contos que compõem o livro?

R: O título surgiu anos atrás. Eu buscava algo que abarcasse os trabalhos que havia produzido até então, muitos deles presentes no livro. Certos contos são uma conversa com um interlocutor. Porém, todos eles, alguns de maneira mais psicótica, outros flertando com a sobriedade aparente, compõem labirintos da comunicação inescrutável, do ser em decomposição. O diálogo, conosco ou com terceiros, é insuficiente. Mas é impossível escapar dele, assim como dos nossos próprios demônios. O que importa, portanto, está no hiato que surge quando a palavra alcança seu limite de representação.

O que te move a escrever? Quais temas estão presentes e aparecem, de uma forma ou de outra, em seus textos?

R: Gosto muito de pirar inventando histórias; do trabalho de artesão de construir um universo tão estrangeiro, em um primeiro momento, quanto íntimo, quando a carruagem parece andar sozinha. Escrever também é uma maneira de dar forma à minha angústia. Busco na palavra escrita a voz que teimo em silenciar no cotidiano. Os temas variam muito. Não sou aficionado por um campo temático específico. De maneira geral, o que impera é a forma de representação hiperbólica, meio nonsense, meio psicótica, de personagens que parecem caminhar em um estado de (auto)alienação etérea.

“Um bom escritor não existe sem que, antes, haja um bom leitor”. Concorda com esta frase? Quais livros te influenciaram e te formaram até aqui?

R: Concordo plenamente. Acho que os dois livros que mais me influenciaram, e ainda seguem influenciando, são “O castelo”, do Kafka, e “Ulisses”, do Joyce. Coloco na sequência as obras do Pynchon e do Kobo Abe. Beckett e László Krasznahorkai também entram na jogada. Saramago… Na literatura brasileira, “Grande Sertão…” é meu panteão. Mas, tanto quanto Rosa, me formaram Raduan e Dalton (Machado nem precisa ser citado). No caso da literatura brasileira em produção, gosto muito de Jeferson Tenório, Daniel Galera e Marçal Aquino. Tem o Julián Fuks e o Itamar, também. Excelentes, todos.

Publicar um livro requer um tanto de coragem. Quando sentiu que estava pronto para isso e como veio essa decisão?

R: Foi no início do ano passado que decidi tentar publicar alguma coisa. Eu não tinha um projeto fechado. Tinha o título e os trabalhos que havia escrito ao longo dos últimos anos. Fiz uma triagem, dei um tapa final e comecei a participar de chamadas abertas. Deu certo. Para ser sincero, não sei se há uma razão principal pela qual eu tomei a decisão de publicar. Só achei que havia chegado a hora, que eu tinha um material que considerava decente. Também queria partir com mais afinco à escrita de um romance, que já àquela época me ocupava os devaneios. Juntei o útil ao agradável.

Como está sendo a recepção do livro e quais serão seus próximos passos?

R: A recepção tem sido bem bacana! Tenho recebido comentários positivos sobre o livro. Daqui em diante, pretendo seguir trabalhando no meu romance atual. Há também o curta-metragem de “Nuvens não têm forma” (primeiro conto do livro), que será gravado nos próximos meses. Nas pausas do romance, venho escrevendo uma série de contos sobre um personagem que está na minha cabeça há um bom tempo, com inspiração direta do Nelsinho, do Dalton Trevisan. Não sei o que vou fazer com esse material. Talvez criar uma coluna no Instagram ou em algum blog. Vamos ver. O que importa é não ficar parado.

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