Gabriel é um homem de meia-idade, recém-separado, ainda enganchado com a ex-mulher, um tanto rabugento, hipocondríaco, preocupado com a velhice. Eis que surge em seu caminho Milena, antiga colega de faculdade responsável pelo sobrinho Clark, adolescente problemático por ser rejeitado pela mãe. Com uma escrita envolvente, fluida, cheia de humor e reviravoltas, a escritora e defensora pública Shelley Maia estreia com “Pela metade”, romance, pela Editora Litteralux. Leiam a entrevista com a autora.
Um grande trunfo do seu livro é o humor, que torna leves as pesadas cargas emocionais de seus personagens. Qual é a origem desse humor em sua vida e em sua escrita?
R: Eu sempre fui uma entusiasta do riso. Desde a infância gostava de contar histórias que faziam rir, especialmente sobre mim mesma. Viver é muito difícil, e acho que o humor é sempre um refúgio acolhedor. Quando escrevi o livro, queria muito que quem o lesse se emocionasse e se divertisse com a narrativa, e acho que alcancei esse resultado.
Outra qualidade são as surpresas que vão se desvelando aos poucos e que garantem um enredo nada previsível. Como foi o processo de escrita de “Pela metade”? Desde o início já sabia a história completa?
R: Escrevi uma sinopse e comecei a trabalhar guiada por ela, mas a história acabou ganhando vida própria e se distanciando cada vez mais dessa sinopse inicial. Em diversos momentos eu escrevia como se lesse, porque eu mesma me surpreendia com o que estava escrevendo, chorava e dava risada. Foi uma experiência diferente de tudo que eu tinha vivido, e eu me senti muito grata por vivenciar algo completamente novo nos meus 40 e poucos anos.
Os sonetos em meio aos capítulos, com efeito semelhante ao coro do teatro grego, dão um toque mais que especial à narrativa. Você também é poeta? E por que “sonetos”?
R: A poesia entrou na minha vida quando eu tinha 7 anos. Ganhei um concurso na escola com um breve poema e me senti encorajada a continuar. Os sonetos vieram bem mais tarde, mas chegaram para ficar. Meu raciocínio poético ficou quase que condicionado a este formato, que na verdade tem tudo a ver comigo: sempre fui uma pessoa objetiva, mas sem perder a profundidade. Os sonetos não fazem rodeios, dizem logo a que vieram; mesmo assim, ou talvez por isso mesmo, penetram fundo na alma.
Você é defensora pública e trabalha com a vida real em estado bruto. As histórias que presencia e acompanha no trabalho são boa matéria para a ficção?
R: Tenho muita dificuldade em associar o meu trabalho na Defensoria ao meu trabalho como escritora. A Defensoria está num patamar de reverência para mim. O pão de cada dia é algo muito sagrado. No meu trabalho como Defensora, ganho o meu sustento ajudando pessoas em situação de vulnerabilidade social e econômica a obterem benefícios que vão assegurar a sua subsistência digna. É uma dupla sacralidade. Mas é evidente que a vivência do meu trabalho está em mim e, assim, ainda que indiretamente, permeia a minha escrita.
Os diálogos em seu livro são muito precisos e reais. A fluidez do texto e das cenas cativa o leitor e a leitora. Como você se formou escritora? Quais foram as suas leituras? Fez oficinas literárias?
R: Comecei a escrever o “Pela metade” no formato de roteiro de uma série. Acredito que a fluidez do texto venha daí. Escrevia as cenas visualizando-as como um projeto audiovisual. Depois, entretanto, pensei na enorme dificuldade de conseguir inserção nesse mercado e fiquei com pena da história nunca vir à luz. Passei a escrever como um romance, então, até o final, e, depois, com o livro já terminado, readaptei a linguagem do começo. Eu me formei escritora sendo leitora. Minha mãe é professora de literatura aposentada e mestra em teoria literária, além de escritora também. Tive a imensa sorte de crescer numa casa repleta de livros. Dostoiveski, Jacobsen, Hilst, Espanca, Tolstói, Gontcharov, Pessoa, Lampedusa, Svevo, Buzzatti, Camus, Brönte… Minha oficina foi a minha casa.
Quais são seus planos daqui pra frente?
R: Escrever muito, escrever sempre. Este ano publico meu segundo romance, “Lívea com E”, pela Editora Patuá. E já estou escrevendo o terceiro. Espero seguir tocando cada vez mais pessoas com a minha escrita. A literatura é pura amplidão.