Poesia contra a mercantilização dos corpos e mentes

“Mercado de engenhos” (Ed. TextoTerritório) é um livro de poesias que contém um ensaio, intitulado “Vida suspensa”. A obra, como um todo, encerra uma reflexão sobre como o corpo que respira, dissolve-se e esgota-se no fluxo das mercadorias. Seu autor é o poeta, escritor, mestre e doutor em Estudos Literários, Alexandre Faria. É professor titular da Universidade Federal de Juiz de Fora, onde dá aulas, orienta trabalhos de mestrado e doutorado e faz pesquisa teórica e prática na linha de Criação Literária. Leiam a entrevista com o escritor.

 

Seu livro é um híbrido de poesias e ensaios. Como concebeu este formato?

 

R: Há algum tempo venho refletindo sobre dois assuntos, a criação literária proposta como uma habilitação curricular das faculdades de Letras e a baixa aderência dos leitores em geral, inclusive alunos de Letras, ao poema. Isso está me levando a experimentar projetos híbridos, como o Mercado de engenhos; e um outro, ainda em fase de finalização, com poemas e uma narrativa. Busco uma nova forma de leitura/formação de leitores de poesia, assim como mecanismos para tornar a criação literária passível de arguição e defesa diante de uma banca.

 

O título é enigmático. A quais engenhos se refere?

 

R: O que me levou a escolher o título do livro Mercado de engenhos foi um verso de Camões. Na terceira estrofe do primeiro canto d’Os lusíadas, ele invoca as Tégides (Ninfas do Rio Tejo) para que o inspirem a espalhar seu canto sobre os feitos do herói de seu povo, se tanto o ajudar o “engenho e a arte”. Nessa passagem, a palavra arte designa uma técnica, um fazer específico, e engenho fala da inventividade, da engenhosidade do poeta, que usará aquela técnica de forma única.

 

O livro é pontuado por páginas escuras onde se lê a palavra “respire” enquanto alguns textos mencionam a prática da meditação. O senhor pratica meditação? Por que incluí-la no livro?

 

R: Não pratico nenhuma forma de meditação tradicional nem moderna. Mas deveria. Vejo a meditação como a construção de uma importante defesa contra a falsa urgência a que os dispositivos de comunicação e informação atuais nos lançam. Quanto consigo frear o impulso de responder imediatamente a um estímulo oriundo dessas mídias, pensar sobre o que aquilo realmente significa e decidir se respondo ou não, se assisto ou não, se leio ou não, sinto como se estivesse sob os melhores efeitos da meditação.

 

Nossa sociedade encontra-se polarizada e assolada por uma crise ambiental e pelas más notícias em tempo real. Nosso destino chega na velocidade 5G e seremos em breve tragados pelo universo paralelo do MetaVerso, do mesmo modo que sucumbimos às redes sociais. Nesse cenário caótico, qual o papel da Criação e como exercê-la?

 

R: A criação deve funcionar como uma interface para mobilizar a consciência de que a nossa relação com nós mesmos e com os outros está sempre sujeita aos sistemas de mediação, quaisquer que sejam. Folhetins impressos do século XIX, radionovelas, telenovelas; filmes no cinema, na TV ou no Youtube; canções no rádio, no LP ou no streaming; poemas, romances, contos, crônicas, no livro, no e-book ou no blog. Tudo pode nos colocar diante do mesmo ou do outro. E ninguém é incapaz de discernir o que imobiliza ou o desloca. Poucos querem ser deslocados. Para a maioria basta mais do mesmo.

 

O senhor trabalhou em várias edições da FLUP – Festa Literária das Periferias, dando cursos de escrita criativa para jovens “da quebrada”. Como foi essa experiência?

 

R: Retomo a resposta anterior para dizer que foi uma das melhores experiências por me colocar a frente e ao lado da alteridade. Nada mais risível do que intelectuais que torcem o nariz para o texto e a voz da periferia. Não saem da mesmice. Não entendem nada.

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