Após ter dado uma palestra sobre a luta antimanicomial no hospital onde trabalhava, a psicóloga Elieni Caputo foi detida e levada à força para um manicômio, hospício, cárcere psiquiátrico. Com linguagem direta e coragem admirável, a autora/narradora ficcionaliza o processo que a levou ao surto no romance “Laço de fita” (Ed. Quixote): os delírios, as semanas no hospital, a relação com a família. O texto é entremeado com registros de todo o processo: advertências do condomínio onde morava, fotografias de si à época da internação, laudos médicos e até um relato da própria mãe, escrito à mão. Leiam a entrevista com a autora.
“Laço de fita” é um livro extremamente honesto e cru, que sacia a curiosidade mórbida acerca do que é e como se dá, nas entranhas, um surto psicótico, ao mesmo tempo em que gera uma empatia enorme, em quem lê, pelas pessoas vítimas desse transtorno mental. Ao começar a escrever esse livro, já sabia que ele seria assim? Existia essa intenção?
R: Eu não previ que geraria tanta empatia… Talvez por eu ser muito dura comigo mesma, esperava mais críticas do que tenho recebido. De qualquer forma, conduzi a construção do livro muito por um caminho literário, estético, acho que foi uma forma de dar contornos à experiência devastadora que tive, e também um modo de materializar minha formação em Letras. Essa trilha que segui acaba barrando um pouco a questão da exposição, até da fofoca que o livro poderia gerar.
As fotografias e documentos – advertências do condomínio onde morava, laudos médicos e até um relato de sua própria mãe, escrito à mão – causam impacto-extra no leitor. Como e quando teve a ideia de acrescentar esse material ao texto?
R: Eu estava terminando o mestrado em crítica literária na PUC e havia estudado montagem, remixagem, procedimentos de deslocar um texto originalmente não literário para um contexto de literatura. Foi quando tive a ideia de pegar recortes de documentos da época da internação e atrelá-los à construção do livro. Isso deu mais verossimilhança à narrativa também.
Ao sair do hospital após a internação, você ainda tinha alguns delírios, leves, mas sim. Depois que eles se foram, surgiu um imenso vazio. Como foi esse momento e como surgiu o impulso de voltar a estudar, fazer mestrado, doutorado, escrever um livro?
R: Eu fiquei com um imenso vazio, mal conseguia falar com as pessoas, lidei com uma verdadeira “redoma de vido”. Fazer Letras era parte de um sonho antigo que resgatei, mas não tinha pensado em escrever o “Laço de fita” até o momento da escritura propriamente dita, durante a pandemia. Antes disso, eu mal conseguia falar sobre o que aconteceu comigo, escondia, silenciava, tinha vergonha. O “Laço” foi um extravasamento, um transbordamento.
Antes de “Laço de fita” você publicou os livros de poesias “Violência e brevidade” (Penalux, 2020), “Casa de barro” (Patuá, 2018) e “Poema em pó” (7Letras, 2006). Foi desafiador passar da poesia à prosa? Como foi essa experiência?
R: Olha, eu dizia que nunca escreveria um romance, que não tinha esse fôlego. Minha escrita é muito intensa e breve, então achava que não alcançaria a prosa. Mas no livro “Casa de barro” eu já escrevia alguns minicontos, narrava algumas histórias autoficcionais. O “Laço de fita” acabou se tornando uma prosa poética, contando parte da minha história de vida de uma forma literária.
Sua pesquisa como doutoranda em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa pela USP é sobre a escritora brasileira Maura Lopes Cançado (1929-1993), internada diversas vezes ao longo da vida para tratar problemas psiquiátricos e pouco lembrada nos círculos literários. Conte-nos um pouco sobre a obra dessa autora e o que pretende com seu estudo.
R: A escrita da Maura é de uma potência e de uma concretude contundentes. Ela compôs seu diário, “Hospício é Deus”, sobre sua história e as internações que sofreu, e também um livro de contos, “Sofredor do ver”. As duas produções dialogam entre si, e Maura constrói no “Sofredor do ver” personagens inspiradas em companheiras de internação, como Joana, Alda… É uma autora que está sendo resgatada agora, e que começou a receber aos poucos o reconhecimento que sua obra merece.
“Laço de fita” foi lançado em meados de 2022 e terá novos eventos de lançamentos em 2023: no Rio de Janeiro (ainda será marcado). Como está sendo a recepção do livro pelo público?
R: No geral, o público leitor fica muito impactado, relata que não conseguia parar de ler o livro, que ele é muito intenso e forte. A maioria dos retornos têm sido muito positivos e elogiosos.
Já tem planos para depois de “Laço de fita”? Voltará à poesia ou vai escrever outro romance?
R: Finalizei um romance híbrido com ensaio: vai se chamar “As coisas de verdade habitam as pedras”. É o diálogo existencial entre uma princesa e um sapo nada convencionais. Vai ser um livro ilustrado, é o que dá para adiantar por enquanto.