Rir para não chorar. O novo livro de contos de Luciana Lachini – pós-graduada em Formação de Escritores pelo Instituto Vera Cruz (SP) – coloca lente de aumento nas insanidades que perpassam o cotidiano atual, quando as redes sociais ditam normas, disparam conceitos e lançam modismos que causam confusão e impelem as pessoas a se pronunciar e se posicionar em tudo e todas as coisas. Distanciados de seus sentimentos e desnorteados com o excesso de informação, os personagens de “A tua boca anda mentindo” (11 Editora) proferem discursos que ouvimos a todo instante, mas que, pelo recorte perspicaz e cômico da escritora, nos fazem rir – da nossa própria desgraça. Leiam a entrevista com a autora.
O título do livro é um verso do Cântico IX, de Cecília Meireles, que também aparece na epígrafe. Qual é o papel da poesia neste livro tão mordaz e irônico?
R: Nenhum. O livro não é nada poético. A linguagem utilizada se aproxima da não ficção em muitos dos contos, simulando o jeito como se escreve nas reportagens e na internet. O verso apenas resume o que é tratado no livro: frequentemente mentimos de forma automática, sem que sequer nos demos conta de que estamos longe da verdade. O título surgiu depois que o livro ficou pronto, e não o contrário.
Os contos de “A tua boca anda mentindo” têm unidade temática e compõem um livro coeso e instigante. Como foi o processo de escrita deles?
R: Divertido e duro. Como os contos tratam de situações absurdas, ainda que cotidianas, muitas vezes me peguei rindo muito de tudo. Mas, à medida que a escrita avançava, foi tudo ficando mais sinistro – e acho que o livro reflete um pouco isso. Fui percebendo que nós precisamos de discursos, mesmo que falsos, para dar conta da vida, e que a ausência desses discursos nos leva ao niilismo.
Você cursou a Formação em Escritores do Instituto Vera Cruz. Como essa experiência contribuiu para você como escritora?
R: Contribuiu para alargar os meus horizontes literários. Não teria escrito este livro, da forma que saiu, se não tivesse feito o curso – as oficinas de escrita e o olhar dos outros escritores me ajudaram a ver os pontos fortes e fracos dos meus textos. E quando a Carol Zuppo Abed me apresentou os contos sem enredo ou com o enredo esgarçado, pouco convencionais, acendeu-se uma luz e percebi que era dessa forma que eu iria trabalhar os meus contos.
Você é coordenadora de leitura, formada pela Casa Arca, em São Paulo. Qual é a importância da leitura para você, e quais livros marcaram sua vida?
R: A leitura me ajuda em uma tarefa impossível, mas da qual não desisto: compreender a vida e as pessoas. Magicamente, os livros que leio em dado momento acabam dialogando com alguma inquietação interior, e creio que tudo isso me acalma. E tem também a maravilhosa possibilidade de viver outras vidas. Bem, como o espaço é pequeno, cito apenas dois: Crime e castigo e Grande sertão: Veredas.
Você é autora de outros dois livros de contos e tem um romance inédito guardado. Quais são seus planos daqui para frente?
R: Ainda estou me recuperando de todo o horror que vivemos nos últimos anos. O leitor certamente sabe do que estou falando. A sensação é de ter esturricado. Mas tenho me hidratado com a literatura, com os amigos e a família, buscando mais contato com a natureza. Está aí uma outra possível função da literatura: a hidratação.