No volume de crônicas “AnônimoNômade” (Ed. Imprimatur), Mário Araújo se dispõe a observar tanto o mundo — Roma, Xangai, Havana e Brasília, cidades em que já morou, levado pela profissão de diplomata — quanto o tempo — o passado suburbano, o presente de instabilidade política e o futuro de estranheza tecnológica. Ele também nos apresenta um vasto elenco de tipos carismáticos ou comoventes: o mendigo finlandês, a senhora calva, a criança de pijama, o músico cubano e, entre tantos outros, Wallace, o jogador que lê. Mas seu maior personagem, sem dúvida, é ele próprio, reconstruído a partir de uma infância simples, quando seu maior desejo era trabalhar entregando cartas ou cortando grama. Leiam a entrevista com o escritor, que estará no Brasil em Julho para autografar seu livro pessoalmente.
Quem é o anônimo nômade que dá título ao seu livro? Ele existe?
R: Todo cronista tem um pouco dessas duas características. O nomadismo, por exemplo, está presente no caminhar pelas ruas até mesmo no olhar do cronista, que se move de um lugar a outro, buscando sempre novos temas. No meu caso, há ainda o nomadismo imposto pela profissão de diplomata, que me faz transitar entre um país e outro. O AnônimoNômade do livro sem dúvida sou eu.
Viver mudando de casa e de país é algo incomum e deve influenciar bastante o modo de pensar e ver a vida. Como isso age em você?
R: Permite, por exemplo, uma visão mais crítica sobre o local onde se nasceu. E sobre os lugares onde se vive, dada a situação permanente de estrangeiro. E causa alguns fenômenos interessantes quando se pensa no passado: são tantos começos e fins que às vezes você se atrapalha um pouco com a cronologia dos fatos. Tento tirar vantagens literárias disso.
As crônicas de “AnônimoNômade” foram escritas ao longo de quanto tempo e onde você morava na ocasião?
R: Começou quando eu morava em Brasília e fui convidado pelo Luís Henrique Pellanda para substituí-lo por algumas semanas no Vida Breve. Depois passei a escrever todas as semanas. Fui morar em Roma e quando estava lá, infelizmente, o site acabou. Recentemente, já morando em Havana, escrevi duas crônicas novas para acrescentar à coleção de antigas.
Você é autor de livros de contos como “Restos” (Bertrand Brasil) e “A Hora Extrema” (7Letras), ganhador do Prêmio Jabuti 2006 e, de um romance “Breu” (Faria e Silva). Como foi a experiência de escrever crônicas?
R: Sempre gostei. Quando tinha 18 anos, escrevia uma espécie de crônica por dia. Eram comentários e opiniões sobre o cotidiano. Essas observações cotidianas nunca deixaram de aparecer e a experiência do Vida Breve foi muito boa para dar uma forma a elas, um acabamento, e interagir com os leitores.
A maioria dos textos de “AnônimoNômade” foi publicada originalmente no jornal literário Rascunho, mas há pelo menos um texto inédito, escrito especialmente para este livro. Qual é e como foi concebido?
R: São dois inéditos: “Curitibano em Xangai” e “Um músico cubano”. Não por acaso, sobre observações das duas cidades por que passei recentemente. A crônica que trata de Xangai eu desejava diariamente escrevê-la enquanto vivia lá, comparando aspectos muito discrepantes de Xangai e Curitiba.
Você escreve e publica com largos espaços de tempo. Por que esses intervalos e como se dá o seu processo criativo?
R: Tudo é uma questão de disponibilidade de tempo. Se tivesse mais tempo, escreveria mais livros. Há também uma postura meio reverencial em relação ao texto literário. Não me ocorre pegar qualquer ideia e transformá-la rapidamente num conto ou mesmo numa novela curta. Prefiro maturar as ideias. Não sei se isso é bom, mas é assim que funciona.
Um novo livro com contos escolhidos de “Restos” e “A Hora Extrema” está previsto para breve. Esses lançamentos – o de agora e o próximo – marcam uma etapa na sua carreira, como um reconhecimento da obra?
R: É uma ideia. Espero que se concretize. Seria uma coletânea de contos retirados dos dois livros e também alguns inéditos. Acho que as duas publicações terão a função de reunir textos do passado, enquanto me dedico ao projeto de um novo romance.
“AnônimoNômade” terá um pré-lançamento virtual no dia do seu aniversário, 20 de junho, e outros ao vivo e a cores em Curitiba (PR), sua cidade natal, e em Brasília (DF). Há quanto tempo você não vem ao Brasil e o que espera desses eventos?
R: Não vou ao Brasil há cinco anos, pois em Xangai o governo local impunha longas quarentenas para quem quisesse se ausentar. Nessa ida ao Brasil, quero saber de todas as novidades e de todas as coisas já sabidas. Entre as primeiras está o próprio AnônimoNômade, que só conheço por foto; e entre as segundas, estão principalmente os velhos amigos. Vai ser fantástico celebrar o livro e os reencontros ao mesmo tempo.