Vento poético

“Foi o vento que me trouxe até aqui” é a obra de estreia da multiartista Paula Raia: poeta, compositora, atriz e cantora. Tudo isso com menos de 30. A autora a define como “o encontro da natureza com o feminino. Do indivíduo com a sua história e ancestralidade. Do som com a palavra. É um convite para se pensar enquanto parte de um todo e para pensar o todo enquanto parte de si”. Leiam a entrevista com Paula.

 

Você é cantora e compositora, e integra o duo Tuim com Felipe Habib. Também atua no teatro como atriz e com direção musical e trilha sonora. Quando e como surgiu o desejo de um livro de poesias?

 

R: Eu canto pra transcender e me conectar com partes desconhecidas. De mim, do mundo. Atuo para me experimentar. Escrevo para me entender. A escrita sempre me causou grande encantamento. Sempre funcionou como uma forma de me organizar internamente, de validar meus sentimentos, sensações e intuições. Funciona como um lugar seguro para mim, inclusive para transcender e me experimentar. A poesia, no meio disso, veio também muito através da música, embora eu sempre tenha apreciado grandes poetas. Manoel de Barros, Viviane Mosé, Brecht, Hilda Hilst, Cora Coralina… Aos 17 eu comecei a experimentar a escrita poética e aos 28 senti que fazia sentido seleciona-las e reuni-las em um livro.

 

As poesias de “Foi o vento que me trouxe até aqui” se apresentam divididas em “Manhã”, “Tarde” e “Noite”. Como definiria cada desses eixos temáticos? Por que essa divisão?

 

R: O livro dialoga com o meu disco que será lançado em 2022. Ambos apontam o ciclo (manhã, tarde e noite) como um fio condutor. Sinto que, como tudo na vida, as coisas que escrevo tem uma energia. Escolhi separar as poesias em um dia porque o dia também é cíclico, ele retorna e por vezes se confunde. Tem poesias que são mais solares e arejadas, que recebem mais vento no rosto e nos fazem sorrir… mas também nao quer dizer que não sejam melancólicas ou saudosistas. Outras que são mais terrosas, que fazem a gente colocar a mão no rosto para tampar um pouco a luz. Algumas, por sua vez, um pouco mais feito água, que fazem a gente querer arregalar ao máximo os olhos para enxergar. Que nos causam medo… ou mesmo fechá-los, pelo mesmo motivo ou por cansaço. Tá aí. Manhã, tarde noite.

 

Apesar de bem jovem – “vinte e oito anos sul-americanos” –, o envelhecimento e a finitude estão presentes em várias de suas poesias. Por que?

 

R: O medo da morte me acompanha bastante. Não é uma questão com a qual me sinto evoluída. Tenho medo e por isso escrevo sobre. Para tentar organizar e entender. Vivo nessa antítese de arregalar e fechar os olhos para isso. Quando escrevo, estou arregalando essa questão.

 

O livro é dedicado à roteirista, atriz e escritora Fernanda Young (1970-2019) e “a todas as mulheres que me inspiram”. Por que Fernanda e quais outras mulheres a inspiram?

 

R: Fernanda Young foi uma grande presença na minha vida, nas minhas descobertas pessoais, no meu entendimento enquanto individuo. Ela inspirava liberdade e essa é minha eterna busca. Sei de cor muitas das coisas que ela escreveu e sinto grande pesar em nao ter tido tempo de dizer a ela todas essas coisas. Mulheres que me inspiram: Patti Smith (recomendo todos os livros dela), Silvia Perez Cruz (uma artista espanhola), Frida Kahlo, Marisa Monte, Maria Bethania, Pitty, Paola Carossella, Grace Passô, minha mãe, minha avó, minha companheira e por aí vai…

 

O livro traz fotografias e desenhos de sua autoria, que dialogam com as poesias. Você se considera uma multiartista? Como é viver a arte e viver de arte no dia a dia?

 

R: Me considero uma multiartista porque, profissionalmente exerço funções como atriz, como compositora e como escritora. Tenho grande fascínio por fotografia e desenho, embora eu nao faça isso profissionalmente. Viver DA arte não é fácil, na medida em que vivemos um governo que não nos valoriza e nos menospreza. Nao existe qualquer incentivo governamental para que a gente possa viver dignamente do nosso trabalho. Precisamos furar bolhas e são poucos os que conseguem. Normalmente e infelizmente, aqueles que tem privilegios sociais tem mais chances nesse jogo. Viver DE arte é essencial, eu diria. Para mim e para qualquer. Não teria como ser diferente. A arte cura e salva. Desde depressões profundas, à traumas, à solidão, à tristezas, à guerras (internas e externas). Porque gera reflexão, gera empatia, conexão, alegria. Por isso que a atual gestão tem verdadeira repulsa à nós. Querem um povo triste e desunido.

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