“Alma na casa sozinha” é o livro de estreia de Felipe Gomes, professor de Língua Portuguesa na Rede Municipal de Ensino (RJ) e mestre em Literatura Brasileira. Diz o autor: “‘Alma sozinha em casa’ é um feixe de rastros. (…) Talvez cada casa se revele quadrante dum mapa infinito, de rotas perdidas, aliviadas. Da mesa da cozinha, salas de espera, bancos de praça, vistas do mar, pontilhei as linhas de seus trajetos tortos. A malha de um guia difuso. Segue toda vida.” Leiam a entrevista com o poeta.
De onde vem o título do seu livro, “Alma na casa sozinha?
Resposta: Vem de um dos poemas. Organizando os textos para o livro, captei logo a solidão como um dos elementos importantes do conjunto. Apesar disso, confesso que considerei outras opções, talvez mais floreadas, “literárias”, mas minhas queridas leitoras beta – Ariane Oliveira e Mariana Vargas (esta, autora do prefácio) – me sugeriram buscar no próprio livro alguma frase ou título que representasse bem sua atmosfera. Então me decidi pelo mais simples e honesto: Alma na casa sozinha. O poema em si toca o fato de ser a casa o lugar que abriga os sentimentos conflituosos que nos atravessam.
Suas poesias falam do espaço, não apenas a casa, mas também a cidade – “deus, como não ser intenso/ numa cidade dessas” (da poesia “sky fly”). Você se refere ao Rio de janeiro onde nasceu? Por quê?
Resposta: Sim, eu me refiro à cidade do Rio de Janeiro. Como todo carioca, cumpro o clichê de ser apaixonado pelo Rio, ver a praia como extensão da casa etc. Vários poemas do livro foram escritos ao ar livre, em movimento, e vêm de imagens capturadas por meu olhar em passeios pela cidade. Para mim, as paisagens do Rio – com contradições, tensões e belezas naturais tão marcadas no espaço físico – são um convite à contemplação solitária.
A solidão também é uma tônica no livro. Você é uma ‘alma sozinha’? Isso transparece naturalmente na sua poesia?
Resposta: Todos somos em algum nível. Eu me considero solitário, mas não num sentido negativo. Porque alguma solidão sempre virá naturalmente com a poesia, que exige um encontro consigo mesmo. Isso pede espaço. Não procurei explorar o tema nos meus poemas, foi espontâneo. Apenas constatei mais tarde que ele já estava ali, independentemente da minha consciência.
Você é professor de Língua Portuguesa na rede municipal de ensino. Consegue levar a poesia para a sala de aula? Seus alunos se interessam?
Resposta: Eu procuro levar a poesia para a sala de aula, mas não como um conteúdo curricular a ser “trabalhado”. Faço porque gosto e estou sempre precisando desse “respiro” devido aos desgastes do cotidiano em uma escola pública. É assim que tento abordar a poesia com meus alunos, como um escape mesmo, um momento/espaço em que é permitido se expressar livremente, nas leituras, nas impressões, na escrita. Eles respondem positivamente, abraçam a experiência poética como possibilidade de dar expansão a suas identidades, individualidades, sentimentos. Já tive experiências muito boas.
A mais recente pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, divulgada em setembro de 2020, revelou a perda de quase cinco milhões de leitores entre 2015 e 2019. Como professor, acredita que é possível reverter esse quadro? Caso sim, como?
Resposta: Acredito, entendendo que a formação de leitores não se limita à atuação individual do professor em sala de aula. A comunidade escolar, em todos os níveis, deveria contar com agentes de fomento à leitura. Isso exigiria grandes mudanças institucionais.
“Alma na casa sozinha” tem a orelha assinada pela professora e poeta Suzana Vargas, e texto de apresentação da também professora Mariana Vargas. O que é preciso para um poeta estreante conquistar alguma visibilidade ou notoriedade?
Resposta: Não sei se sou capaz de dar essa resposta. De qualquer forma, meus primeiros movimentos foram em busca dos meus pares. Quando comecei a pensar em publicar e encontrar leitores, senti a necessidade de testar a minha poesia, antes de tentar me inserir. Então, decidi cursar oficinas de escrita. Descobri assim o Instituto Estação das Letras e lá fiz meus primeiros cursos com a Suzana Vargas, por quem tenho uma profunda admiração. Conheci outros escritores, trabalhei minha escrita e, a partir disso, passei a ser lido, a ser visto como poeta e a experimentar alguma recepção. Com o tempo, amadureci a ideia de publicar o livro.
O que espera alcançar com seu livro?
Resposta: Bons encontros e trocas. Espero que meu livro chegue àqueles que vão se identificar com a minha poesia e ser tocados por ela. Que ele continue me levando a conhecer poetas, artistas e leitores especiais.