Um mergulho em Minas Gerais

Mergulho na região do espanto narra o retorno de um escritor a Ouro Preto, onde nasceu. Ao estudar a história da cidade, outrora chamada Vila Rica, o personagem passa a receber a visita de fantasmas dos inconfidentes. O livro é o desfecho da “trilogia do espanto”, do romancista e diretor do Museu da Inconfidência, há 40 anos, Rui Mourão. Ele coleciona medalhas, prêmios literários e se sente realizado com a Literatura que produziu até hoje.

 

Há décadas o senhor faz o percurso entre Belo Horizonte e Ouro Preto – quase duas horas de viagem – todos os dias. Como essa vivência dupla, de “estrangeiro” e “morador” influencia o desenvolvimento das suas histórias?

 

Na década de 60, participei do movimento de vanguarda da revista Tendência, que pesquisava uma linguagem literária brasileira de rigor estético, para superar, no meu caso, o romance nordestino, que foi de ingênuo retratismo realista/naturalista. Ao aprofundar minha experiência ouropretana, entrei por uma trilha mágica de maior autenticidade e espontaneidade que em minha opinião significou conquista de maturidade.

 

Fantasmas de personalidades mineiras aparecem em Mergulho na região do espanto representando visões, algumas vezes opostas, dos acontecimentos históricos. Algum desses fantasmas representa o seu ponto de vista? Por quê?

 

Enquanto autor, estou por trás de todos os personagens, fantasmas ou não. Todos falam através da minha invenção, mas eu não me identifico com nenhum. Sou um criador de mundo e falo pela totalidade. A contradição entre personagens só comprova a relativa autonomia de cada um.

 

Na “trilogia do espanto” o escritor pode ser confundido como historiador. Onde termina a pesquisa histórica e começa a ficção?

 

Faço ficção dentro da história. Sou ficcionista, não historiador. Passado e presente estão sempre em íntima convivência. Meus personagens têm, às vezes, nomes e aparências históricas, mas sua verdade é sempre e tão somente literária.

 

O seu livro trata, em síntese, de um personagem em busca do próprio destino. Hoje, com 87 anos, o senhor acredita que conseguiu encontrar o seu destino?

 

O personagem central não passa de um instrumento estratégico. Ele é o quê?  Um símbolo, uma metáfora? Está a procura de sua realização, de seu destino. Encontrou o que buscava ao escrever o livro que acabou escrevendo? O ouro era a sua realização como escritor? Chamo sua atenção para uma das epígrafes de Mergulho na região do espanto: “Que somos, de onde viemos, para onde vamos?” Você imaginou que eu teria escrito uma narrativa confessional. Não, não me encontro em causa como personagem. Mas se deseja saber se estou satisfeito com a literatura que produzi até agora – se me sinto realizado, como se diz –, posso responder que sim.

 

O senhor lê a literatura brasileira contemporânea? Caso sim, quais últimos livros leu?

 

A literatura brasileira contemporânea é grande se nela entrar, por exemplo, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Cyro dos Anjos, Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Clarice Lispector, Murilo Rubião, Rubem Fonseca dos contos, João Cabral, Affonso Ávila. A atualidade rasteira, muito numerosa, dos que ainda lutam para ser, é outro caso. Mas é claro que entre esses dois extremos existe muita gente boa, de valor, que torna a criatividade no país muito variada e rica. Li recentemente o romance Palavras Cruzadas, de Guiomar de Grammont, os originais do poema em prosa O amor que não acabou, o amor que não terá fim, de Ruth Silviano Brandão, a ser lançado no ano que vem, os livros fundamentais de contos de Luiz Vilela. Tudo muito bom.

 

 

– José Fontenele

 

 

 

 

 

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