“‘Cheiros indistinguíveis’ (Ed. Urutau) é um livro para lermos a qualquer hora, em qualquer lugar, em casa, no almoço, no metrô, no ônibus, na praia. É sobre beleza, sobre amor, sobre nós mulheres, mas sem perder de vista a crítica sociopolítica urgente e necessária, essa mesma que nos permite sonhar com um lugar melhor para vivermos. O amor entre mulheres é revolucionário.” Trecho do texto de apresentação da vereadora de Mônica Benício, viúva de Marielle Franco, para o livro de estreia de Evelyn Silva na poesia. Leiam a entrevista com a autora.
Quais são os cheiros indistinguíveis do título e onde encontrá-los?
R: São os cheiros dos momentos de compartilhamento romântico. Sou muito sinestésica, ouço cheiros, cheiro cores, rs. Então, pra mim, esses cheiros estão em todas as memórias das conexões amorosas entre duas pessoas, mesmo as mais fugazes.
Seus poemas são narrativos, há quem diga que se assemelham a contos ou crônicas, mas são poesias, de fato, e transbordam literariedade. Como chegou a esse formato?
R: De primeira, escrevo em fluxo contínuo, tento não censurar o que vai aparecendo, coloco tudo no papel. Depois que está ali, preto no branco, é que vou trabalhar o texto. Teve um momento em que achei que perdia alguma coisa no processo de burilar o que escrevia; ao mesmo tempo em que o texto cru tinha um quê de imaturo, muitas vezes, depois de trabalhado, ficava distante da fluidez que eu queria imprimir. Foi a busca pelo meio termo, um texto maturado mas que mantivesse a ideia de pensamento livre e imagético, que me fez chegar a essa forma.
As poesias de “Cheiros indistinguíveis” foram escritas todas em uma mesma época? Ou é uma reunião de textos de uma vida?
R: Primeiro livro acaba por ser antologia, né? Tem texto de vinte anos e tem texto de dois anos. Juntei o que entendia ter produzido de mais importante e botei pra jogo.
Você já foi cenógrafa, iluminadora e dramaturga; trabalhou com artistas como Antônio Abujamra e Denise Stoklos. Largou o glamour da vida artística para ser assessora parlamentar. Como se deu essa transição e qual o lugar da poesia nisso tudo?
R:A gente planeja as coisas, mas a vida acontece. Confio muito nos processos de apaixonamento, estar encantada é mola propulsora pra mim, seja por pessoa, coisa ou trabalho. Foi uma transição longa, embora já tenha dado muitos duplos twist carpados em outros momentos profissionais. A poesia sempre esteve em tudo, escrita ou em forma de cenário, de luz. Não concebo fazer artístico desprovido de poesia.
Seis dos seus textos têm como inspiração obras do artista estadunidense Jackson Pollock (1912-1956), um dos mestres do expressionismo abstrato. Como é sua relação com as artes plásticas e por quê a obra desse artista lhe toca, em especial?
R: Minha primeira graduação foi em Belas Artes, na UFRJ, as artes plásticas sempre foram um lugar de extremo interesse pra mim. Com Pollock, a relação é especial. É uma pintura impactante, parece caótica, mas tem uma organização muito própria, traz anos de trabalho e pesquisa intrínsecos, é a expressão de um artista maduro. E é grandiosa, física! Uma vez que você percebe a entrada, um mundo novo se abre.
Diz Mônica Benício, viúva de Marielle Franco, no texto de apresentação do livro: “Evelyn Silva nos brinda com (…) 17 “contos-poesias” que navegam entre as dores e as delícias de ser, e se saber, uma mulher sapatão dentro de uma sociedade machista que o tempo todo busca controlar nossos corpos e nossos desejos”. Escrever poesia pode ser uma forma de se rebelar ou de resistir a esse cerceamento da nossa liberdade?
R: Pode, sim. A poesia pode tudo, na verdade, rs! A ideia do eu lírico, esse outro que é a gente mesmo e que é dono de uma voz ilimitada, especialista em encontrar brechas e vãos sociais, é muito poderosa. Autocratas sempre miram na poesia, pra encarcerá-la ou destruí-la. E sempre falham miseravelmente. Escrever poesia é a síntese do humano.