Diferentes histórias se intercalam em “Torrente”, primeiro romance de Vanessa Malagó, agraciado com o Proac 2022 – Programa de Ação Cultural da Secretaria de Cultura do Estado de SP – categoria Literatura. São relacionamentos que se desgastam com a rotina e com desavenças, que chegam ao fim, mas também aqueles que resistem e outros que se constroem fora dos rótulos.
No mundo pós-moderno onde o amor é “líquido” – palavras do sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017) –, o romance de Vanessa Malagó, além de excelente entretenimento, é uma provocação para pensar o amor e diferentes formas de amar, e uma reflexão sobre a fragilidade do ser humano e sobre o que sustenta os vínculos. A autora fala mais sobre o livro nesta entrevista à Oasys Cultural:
Seu primeiro romance é sobre os desafios das relações amorosas. Por que escolheu esse tema para um livro de estreia?
R: Esse é um tema que me instiga e me encanta. Acredito que nos relacionarmos, compreendermos um ao outro e sustentar os vínculos, apesar das dificuldades que permeiam todas as relações, é o nosso maior desafio como seres humanos. valter hugo mãe, em um de seus livros, subverte a famosa sentença de Sartre “o inferno são os outros” trazendo, na voz de um personagem, “o paraíso são os outros”. Eu também vejo desse modo. O encontro com o outro, ainda que desafiador, é aquilo que traz colorido e imprime sentido às nossas vidas.
Em cada capítulo acompanhamos histórias simultâneas de diferentes casais. Por que escolheu este formato para contar a história das personagens?
R: Para contar as histórias de cada casal eu poderia ter adotado um formato linear e não intercalado, mas ao buscar essa forma, minha intenção foi de que as histórias contassem sobre os caminhos e descaminhos do amor. Ainda que um casal jovem possa lidar de forma diferente de um casal maduro com uma determinada situação, os desafios enfrentados num relacionamento tendem muitas vezes a ser os mesmos. A ideia nessa narrativa fragmentada, que traz a cada momento o ponto-de-vista de um personagem é mostrar como algo vivenciado por um casal é visto de modo diferente aos olhos de cada um. Ao trazer essas perspectivas, quis possibilitar ao leitor uma possível identificação, mas principalmente, a oportunidade de se colocar em outros lugares.
O livro tem uma escrita poética e reflexiva. Esses adjetivos também fazem parte da sua personalidade?
R: Acredito que sim. A investigação filosófica e os questionamentos sobre a existência me instigam e permeiam também a minha escrita. Quanto à poesia, acho que ela também me acompanha pelos caminhos da vida, é o que me traz um olhar mais demorado sobre as coisas, me faz ver o belo nos detalhes e me ajuda a capturar os instantes por meio das palavras.
O que te fez escolher “Torrente” como título de uma história que fala das relações contemporâneas?
R: Torrente é um curso de água impetuoso, violento, também sinônimo de abundância, de algo em grande quantidade e que transborda. É uma imagem poderosa para os sentimentos que atravessam os personagens. O amor, como o curso de um rio que está a todo momento em movimento, em determinados trechos pode ser tranquilo, em outros, dado a redemoinhos. Torrente reflete o turbilhão que vem na forma de desentendimentos, riscos e ansiedades quando se decide viver junto com alguém. Também o desejo que, de tão agudo, desorienta, nos tira do chão. E ainda a abundância do amor que faz quem ama se expandir, se doar ao objeto de amor.
Você é professora de yoga há quase 20 anos e já publicou um livro sobre o assunto, o “Vivenciando o Yoga Sutra: a prática do yoga além do tapetinho” (Ed. Blanche). Como o yoga influencia sua escrita?
R: O yoga é em sua essência o cultivo de um estado de presença e atenção. O trabalho com o corpo, com a respiração, com a mente são instrumentos para desenvolver consciência e presença sobre nós mesmos e o mundo à nossa volta. Acho que todo escritor tem um pouco de yoguin, porque, para escrever, temos de exercitar a escuta e o olhar atentos.
Quais são seus planos após “Torrente”? Planeja escrever outro romance?
R: Sim, já tenho um outro romance em andamento. Comecei a escrevê-lo no final de 2021, mas sinto que ainda tenho bastante trabalho pela frente. O romance tem dois personagens centrais, uma bailarina de flamenco beirando os quarenta e um jovem engenheiro, que de uma vida promissora, mergulha em depressão. Histórias distintas que se amarram pelo mesmo fio, o conflito com a própria identidade, a tentativa de encontrar novos territórios e abrigos e a busca pela felicidade possível.