Dizem que, ao se reconhecer poeta, é melhor não lançar livro quando jovem, sob pena de se arrepender mais tarde. Mas o que dizer dos poetas que estreiam na maturidade? “Pássaros de giz” (Ed. 7Letras) é o primeiro livro de Paulo Fraga-Queiroz, publicitário de longa carreira, reconhecido e premiado no Brasil e exterior. Natural do Ceará, forjado com o sol e da energia do sertão de Quixadá, onde nasceram seus pais, sempre se manteve próximo da literatura e da música, lendo, escrevendo e colaborando para letras de canções. Fruto de décadas de dedicação e de uma curadoria criteriosa, o novo livro revela-se como uma obra belíssima e multifacetada, oferecendo um panorama dos universos que habitam a mente de seu autor. Leiam a entrevista com Paulo.
Você estudou letras e sempre se manteve lendo e escrevendo poesias e letras de músicas. Por que levou tanto tempo para publicar?
R: Acredito na ideia de que escrever é na verdade reescrever. Mesmo alguns dos poemas mais recentes foram alvo deste exercício que só termina quando acaba. Além disso, o rigor formal, alguma timidez e o senso de que sempre pode ser melhor contribuíram para ir adiando este momento. Agora, talvez, uma certa maturidade trouxe-me um olhar de que os textos estavam mais prontos.
O livro se divide em três partes: O mar por perto, Pássaros de giz e Papagaio de papel. Por que essa divisão e o que cada uma delas encerra?
R: Desde o início, estas três divisões já estavam intuídas. Antes, de forma institiva. Depois, isso foi se configurando como uma escolha estética, poética. O mar por perto traz uma relação com a memória e a cidade em que vivo e tudo que isto representa: litorânea, solar, aquática, porém, dentro de um estado agreste, seco. Pássaros de giz comporta as influências, o diálogo com a poesia e outros poetas, os metapoemas, o entender-se a escrever ao menos uma linha no livro do mundo. E o Papagaio de papel abre espaço para formas curtas, poemas-pílula, humor, experimentações. Enfim, vozes que, somadas, podem ser minha voz.
A variedade de temas e formas – composições que lembram a poesia neoconcreta, a marginal, e os haicais, entre outras – revela a amplitude de suas leituras e reflexões sobre o fazer poético. Conte-nos um pouco da sua formação.
R: Leio desde muito cedo. E de tudo. Cursei Letras, estudei um pouco de latim. Trabalho em propaganda. Escrevo letras de música e roteiros de filmes. Tenho profundo interesse em linguagem visual, música, design, pintura, cinema e literatura. É deste amálgama, deste combo caótico que nasce minha poesia.
Você é filho do sertão, apesar de ter nascido em Fortaleza, pois seus pais são de Quixadá. Acredita que a energia e a cultura desse lugar transparecem em sua obra? Como?
R: O sertão que há em mim é onírico, moldado a lembranças remotas da infância, aprendido em viagens, na pedra e na palavra. E, sim, o carrego comigo aonde vou.
Você é publicitário renomado, dono da Agência Integra, e leva uma vida agitada. Em quais momentos consegue ler e escrever?
R: A vantagem é que durmo pouco. Rsrsrs. Tento escrever todo dia. Nem sempre consigo, mas vou anotando, em meio à jornada do dia, pedaços de pensamentos, visões de coisas, retalhos de conversas ouvidas do alheio. Quando surge um tempo maior, volto a este baú (que reside no meu smartphone e numa cadernetinha pequena) e tento encontrar ovos no ninho.
Conte-nos o que anda lendo neste momento.
R: Sempre um caos na cabeceira e nas mesas de trabalho: no momento, estou lendo ao mesmo tempo, a estupenda poesia reunida de Claudia Roquette-Pinto (A Extração dos Dias), a poesia reunida do Paulo Henriques Britto (Por Ora, edição portuguesa), a Balada do Velho Marinheiro do Coleridge, O Dia, do Mailson Furtado, Escritos ao Sol do Adriano Espínola e as poetas Angélica Freitas, Ana Martins Marques (quase todos dela), Mar Becker (Noite devorada), Alice Sant’Anna (Dobradura) e Ana Claudia Romano Ribeiro e Deise Abreu Pacheco (A canção do entupimento e a Vida de Deise).
Você mora em Fortaleza, longe demais das capitais. Acredita que isso pode dificultar o reconhecimento de sua obra?
R: Viajar o Brasil a partir de Fortaleza é um privilégio. Como toda capital (a exemplo de São Paulo e Rio) é uma cidade que tem seus desafios. Mas acredito no mundo phygital. Afora isto, sigo o que Leminski dizia sobre não discutir com o destino: “o que pintar, eu assino”.
Fará lançamentos em outras cidades? Novos livros em vista? Quais são seus planos como escritor?
R: Se for possível, quero ver estes pássaros voando pra longe. Depois do lançamento aqui em Fortaleza, gostaria de lançar o livro em Quixadá, no coração do sertão cearense, terra de meus pais. E depois, só depois, Rio, São Paulo, Brasília e Belém, cidades em que tenho grandes amigos. Sim, tenho outros projetos já desenhados. Agora, que a porta se abriu, não paro mais. Ave, poesia.