Hora do cérebro brincar

“Playtime” é o nome de um longa-metragem do cineasta francês Jacques Tati (1907-1982) considerado inovador, surrealista, crítico à conformidade social e incrivelmente divertido. Estes mesmos adjetivos se aplicam ao volume de contos “Playtime” (ed. 7Letras), de Sebastião Albano – carioca radicado no Rio Grande do Norte, onde dá aulas na Faculdade de Comunicação Social da UFRN. Aficionado por cinema, o autor usa referências à sétima arte e linguagem experimental para criar narrativas frenéticas, gozadas, por vezes chocantes, que convidam os leitores a uma experiência fora do seu lugar de conforto e, por isso mesmo, fascinante. Leiam a entrevista com Sebastião Albano.

“Playtime” é uma leitura desafiadora por se afastar das narrativas convencionais. Era esse o seu plano ao escrever os contos?
R: Mais ou menos. Tendo em vista minhas grandes figuras de leitor, isto é, não propriamente uma narrativa linear senão aquele corpo de experiências sensoriais que somente no texto podem ser elaboradas, me inclinaria ao sim. Gosto de autores que manobrem esses supostos, como Robert Walser, Pierre Klossovki, Roberto Bolaño, Macedonio Fernández, Graciliano Ramos. Considero-os minha tradição sem conhecer muito a obra deles.

Como acha que o leitor brasileiro receberá seu livro?
R: Pelo que tenho lido de literatura brasileira contemporânea, o leitor nacional parece maduro para desfrutar do livro como um artefato da imaginação que lhe ocasionará uma experiência de leitura de mundo. Faço esse deslocamento entre o leitor e o autor por considerar potências comuns entre essa comunidade. Se hoje se escrevem livros como “O” de Nuno Ramos e “A morte e o meteoro” de Joca Terron, deve-se a que há um ambiente propício a essas sublevações autorizadas no horizonte literário, composto de momentos autorais e momentos de leituras, ou de funções sociais como autor e como leitor.

Apesar das rupturas, vai e vens e desvios, os contos contém storytelling – embora o fio da história, muitas vezes, seja difícil de capturar. Conte pra gente como é o seu processo criativo.
R: Sou mesmo um leitor do mundo como texto e do texto como mundo. Me conformei com essa mirada contínua e surpreendente dos fenômenos. Portanto, nas minhas “ainda” histórias, no sentido estrito, considerando o gênero narrativo, consigo amparar-me numa espécie de trama possível que se alimenta desse investimento libidinal que porto como leitor e autor das três ou quatro dimensões das experiências sensoriais do mundo fenomênico e sua conversa com os sonhos, fantasias e desejos. Trato ampliá-las na escrita como o faço na leitura.

“Playtime” é a prova de que cinema e literatura podem coexistir sem que o livro seja um “roteiro”. O que a sétima arte agrega a sua escrita?
R: A potência da imagem audiovisual está em constante expansão. Somos hoje sujeitos ou mesmo seres compostos de imagens. Nossa experiência singular dessas presenças tende a se prolongar em âmbitos em que elas são em verdade irrepresentáveis. Há uma espécie de tempo ou cadência nesses estímulos que o cinema apresenta para literatura e vice-versa. Podemos dizer, para usar o mesmo efeito anterior, que exerço funções de um leitor de filmes e de um espectador de livros quando me debruço sobre a palavra.

Fale um pouco sobre as suas leituras. O que anda lendo, o que gosta e o que recomenda?
R: Agora estou com “Os gestos”, livro escrito durante a adolescência de Osman Lins. Finalmente li o “Memorias del Sudesarrollo” de Edmundo Desnoes, muito afeito a Dostoievski e a Camus, que suscitou o filme homônimo de Tomás Gutiérrez Alea (1968). Li o “Message to the People” do jamaicano Marcus Garvey, um libelo/panegírico prescritivo próximo aos manuais filosóficos clássicos, como “A República de Platão”, porém voltado para o comportamento dos homens e mulheres negros na sociedade, o que plasmado em um livro filosófico encerra visão de mundo e crítica bastante densas.

“Playtime” terá lançamentos em Fortaleza e Brasília. O que espera alcançar com este livro?
R: Eu decidi lançar nessas duas praças, digamos, devido a meus laços familiares com ambas as cidades. Tenho um filho em Fortaleza, Estêvao Albano, a quem vejo pouco, e em termos de mercado editorial, é um bom ponto. Já Brasília é a cidade que marcou minha educação sentimental e estética, minha cidade de formação, cresci na Asa Sul, sempre em busca das periferias, devido a certa racionalidade insuportável para um adolescente diante do traçado do plano piloto e a ameaça ou promessa de outro mundo, outra urbanidade, exercida por seu entorno, as cidades satélites, sobre os jovens daquele então.
Brasília hoje é uma cidade muito grande em termos de população e de consumo. Tentarei ter uma boa acolhida dessa comunidade perigosamente familiar. Moro e trabalho em Natal, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, mas desta vez estou planejando uma intervenção diversa na cidade. Vou montar uma instalação intitulada “Anticorpo” que vincula certo desmazelo não programático do centro de Natal e os motivos das ruínas em Havana, Cuba, país ao que admiro.

Deixe um comentário

Este site utiliza cookies para lhe oferecer uma melhor experiência de navegação. Ao navegar neste site, você concorda com o uso de cookies.