Resultado do Primeiro Concurso de Contos Oasys Cultural

Dentre mais de cem participantes, o vencedor do Primeiro Concurso de Contos Oasys Cultural é o escritor Darío Bravo com “Nino”. O principal critério na seleção foi a arte literária – acima do valor comercial ou de quaisquer outros aspectos. O conto escolhido é um texto maduro de grande literariedade e que demonstra domínio da escrita.

 

Ficamos divididos e por isso decidimos mencionar os nossos finalistas: André Kondo, “Chá”; Eber Freitas, “Três tiros”; Gustavo Barbosa Rossato, “Eu não sei o que fiz no dia de ontem”; Igor Vecchi, “O urso de pelúcia”; Léo Borges, “Inconspícuos”; e Roselaine Hahn, “I Love SP”.

 

Agradecemos a confiança a todos os escritores que enviaram seus contos. Fiquem ligados que em 2017 tem mais.

 

“Nino”, do escritor Darío Bravo, narra a insólita experiência de um homem que vai remar no dia em que uma cidade do Espírito Santo sofre uma atípica ocorrência meteorológica. Os prêmios são um kit de livros, a divulgação em nossas redes e um coaching literário.

 

Nino

 

Fenômeno raríssimo um nevoeiro em Guarapari. Do calçadão, se via o mar relegado a um estreito rio verde, marmorizado pelas natas de sal. Na margem oposta, de Norte a Sul repousava o horizonte. Cinzento-claro. Amuralhado e fugido da linha em que céu e mar se fundem. A inusitados duzentos metros, o horizonte agora afrontava o continente.

 

Na Praia da Areia Preta, Nino era o único com alma de banhista e macacão de surfe. Com uma adolescência temporã, correu até a água com o caiaque – embarcação de fabricação própria, com rolhas dos vinhos tomados em dez anos de viuvez. Quando penetrou a substância mágica e colossal, Nino parecia um gênio remando um cortiçado sapato de Aladim. Sorria; a névoa lhe cocegando o espírito. Costumava ir dali à Praia do Morro. Procissão marinha, solitária e semanal – e a neblina jamais seria obstáculo.

 

Àquela altura, o cocuruto dos prédios de Guarapari ia sumindo, para daí reaparecer e outra vez se ocultar. Nino não apreciou a fantasmagoria matutina: se empenhou em ir marujando naquele inédito universo, cuidadoso como um cego em chão inabitual.
Cantarolou só para ouvir que a névoa lhe roubava a voz e a devolvia com uma vaporosa acústica de farsa. Uma hora depois, constatou que era pouco homem para muita cerração. Só que já era tarde para adivinhar a direção da costa. Parou imóvel, decidido a esperar o nevoeiro morrer de velho.

 

Não ficou à deriva, pois o oceano se tornou admiravelmente lacustre. Um espantoso planeta sem onda, pio ou marulho. Sobreveio, porém, uma sucessão de gorgolejos extraordinários. Inúmeros, irradiando-se para todos os lados. O Atlântico de súbito tornado um brejo salgado e infinito.

 

A causa disso o arrepiou: em torno dele, um cardume de redemoinhos, vórtices brigando entre si. O horror veio quando Nino sentiu uma boca sem dentes se abrindo sob o caiaque. Um hálito reverso, seguido de um ruído descomunal, de titã sendo degolado. Nino lutou. Submerso e perdido, abraçou a embarcação e se deixou guiar por um mar sombrio, rumo à tona. Quase sufocado, emergiu; os olhos sem poder se arregalar mais.
Então vieram os assobios. De baleia, golfinho, delfim. Uma algazarra tão tristonha e multitudinária que Nino se imaginou flutuando num abismo de queixas submarinas.

 

Em seguida foram os peixes-voadores. Bando revoando numa aflição capaz de dispersar o nevoeiro, tesourando tudo com as asas… Até que, naquele dia em que Guarapari foi outra cidade, Nino alcançou a terra. Ficou deitado, arfando na negra areia monazítica até o socorro vir. O caiaque à beira d’água, fiel cavalo que sempre saberá o caminho.

 

No hospital só enxergaram em Nino alguém em estado de choque. Mas era um homem repassando os milagres do dia. Sobre a cama, ele enfim vislumbrou: o mais sobrenatural de tudo havia sido ele, o silêncio no âmago da neblina. Tão absoluto e profundo que mesmo agora provocava um pânico cheio de maravilha. Fome de viver simultânea à ânsia de morrer. E o pior: a certeza de que nunca jamais aprenderia a lidar com esse silêncio.

 

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