Poeta na contramão das tendências literárias, o escritor e diplomata Raul de Taunay, classificado por Carlos Nejar, membro da Academia Brasileira de Letras, como um ‘parnasiano erudito de vanguarda’, é novo cliente na Oasys. Em março será publicado o romance distópico de sua autoria, A lucidez da lenda. A protagonista, Antônia dos Anjos, espécie de ‘Joana D’Arc’ ribeirinha, defende a Amazônia das megacorporações que desejam se apropriar das nossas riquezas.
Pela leitura de seus escritos dá para perceber que o senhor ainda é um jovem cheio de sonhos. Como foi a infância e adolescência desse jovem?
Acho que minha infância e adolescência foram cumuladas por circunstâncias raras e favoráveis. Meus pais eram unidos, se queriam, se respeitavam e conviviam muito bem, meus irmãos eram alegres e interessados; sendo filhos de um casal diplomático, estávamos sempre descobrindo coisas novas, aprendendo os costumes, absorvendo, como esponjas, as cultos, mitos e manias das regiões em que nos infiltrávamos. Sempre fui o aluno novo nos colégios em que estudei, e isso me ensinou a encarar os enfrentamentos com tranquilidade e destemor, carregando em mim os nutrientes do exemplo que me legavam meus pais. Sou grato a eles e sou ciente de que a sensibilidade poética que me agita, desde a mais terna infância, viu-se fortalecida com esse embasamento cosmopolita constante que moldou minha escrita. Hoje, mais maduro e experiente, quero acreditar que ocupo meu lugar nas páginas escritas com humildade, certo de que a palavra gosta de mim.
O senhor costuma dizer que os filhos de diplomatas, às vezes, são mais brasileiros que os próprios brasileiros. Por quê?
Em primeiro lugar, porque eles cultivam como poucos o amor à pátria distante. Os filhos de diplomatas difundem naturalmente, no exterior, os costumes, a língua, o jeito, a cultura brasileira, e esse é um exercício que nutre o nacionalismo. Além disso, são crianças que, constantemente, morrem de saudades. Podem não se dar conta, mas são defensores do Brasil por excesso de saudades. Criados num exílio nem tão saboroso quanto tantos imaginam, e cientes da realidade externa, nem sempre melhor que a brasileira, eles se habituaram a não levar desaforo para casa nem a abaixar a cabeça quando o objeto é a defesa da imagem do Brasil. Pelo menos assim foi comigo. Não posso falar pelos outros.
A propósito de seus versos, o poeta Carlos Nejar, membro da Academia Brasileira de Letras, disse que o senhor é um ‘parnasiano erudito de vanguarda’. Como explica isso?
Sempre fui um poeta na contramão das tendências literárias. Em tempo de poesia concreta, minimalista, individualista abstrata, eu me sentia lírico, romântico e de vanguarda. Nunca achei que fossem vanguarda as poesias capengas, as citações filosóficas ou de humor, as crônicas urbanas curtas ou longas em forma de poesia, as frases chocantes ou pernósticas, os palavrões, os desenhos metrificados na página como poesia. Para mim a vanguarda é ter o olhar poético que vai além dos modismos. É saber que o romantismo e o lirismo caminham eternamente com a humanidade num percurso que realça os atributos do amor e os instrumentos da poesia. É ter a visão sensível às condições atmosféricas do coração que visa superar-se na forma, na musicalidade, na rima, no solfejo da alma. É, por fim, manter a esperança de que a onipotência acadêmica não venha um dia a rachar o malte do repertório que cultivo. O poeta Carlos Nejar, talvez o maior poeta vivo do Brasil, conheceu minha obra, entendeu minha cabeça e honrou-me ao me comparar a Rimbaud e ao dedicar-me a sua monumental obra A História da Literatura Brasileira. Grato sempre serei a ele.
O romance distópico A lucidez da lenda mostra um futuro sombrio e trágico para o Brasil. O momento presente tampouco é tranquilo. Tendo estado a maior parte do tempo distante, como avalia a situação atual do nosso país, especialmente o Rio de Janeiro onde nasceu?
O Brasil está tomando uma ducha. A sujeira está sendo lavada aos poucos. Ainda resta muita gente suja fora dos holofotes da lava-jato, mas o processo de limpeza contra a corrupção já começou. Espero que prossiga depurando a política em todos os níveis e agremiações partidárias em nosso país. Todavia, cabe dar educação, saúde e condições honestas de trabalho a todos os brasileiros para que eles saibam escolher candidatos retos e o país possa curar suas chagas, exibindo ao mundo o real significado de sua exuberância. O Brasil é exuberante. Um dia será também honesto, livre, atuante, com a lei valendo realmente para todos. Com relação ao livro A Lucidez da Lenda, o futuro está nele apontado como antevejo que será caso priorizarmos apenas o materialismo, o militarismo, o mercantilismo, a brutalidade, o lucro a todo custo, desconsiderando as virtudes humanas que deveriam situar-nos acima da mediocridade intelectual e espiritual.
Em A lucidez da lenda, a protagonista tem o dom de conseguir falar com Deus. Se o senhor também pudesse falar com Deus, o que diria a Ele?
Todos nós falamos com Deus, e já o fazemos ao exclamar: “ai meu Deus”! A Antônia dos Anjos, personagem central de meu livro, é uma Joana d`Arc ribeirinha, amazônica, jovem como a donzela francesa, virgem e casta, com uma religiosidade latente e rara nesse contexto futurista excessivamente materialista e científico, de técnicas avançadas, que imaginei para o ano de 2050. Ela teve visões que a levaram a liderar esforços para impedir a invasão de sua região, prevenindo com sua luta o que parecia inevitável: a balcanização do Brasil. A história é boa, me tomou alguns anos de vida. Quanto a mim, sou poeta, escritor, diplomata, e não beato. Não costumo conversar com Deus, porém, quando as coisas esquentam, corro a Ele para me ajudar. Nunca me decepcionou.
– Valéria Martins