Presente distópico

Em seu primeiro romance, o escritor e diplomata Daniel Falcon Lins, que viveu em países tanto distantes quanto díspares como Malásia, Alemanha, Índia e Argentina, constrói uma ficção distópica permeada de humor e ironia para falar de problemas da contemporaneidade e do Brasil atual. “O futuro dos que ardem por um passado melhor” está em sintonia com as melhores distopias ao estilo de “1984”. Leiam a entrevista com o autor.

 

“O futuro dos que ardem por um passado melhor” é seu primeiro romance. Como é sua relação com a literatura e a escrita, e por que publicar agora?

 

R: Trata-se do primeiro romance que publiquei, mas não que escrevi. Cresci cercado por livros e muito cedo comecei a escrever. Por razões várias boa parte desse material ficou guardado e viajou comigo pelo mundo. Acho que cheguei a um ponto em que ficou difícil conter tanto desatino. Vejo na escrita uma espécie de batismo de fogo do pensamento.

 

Você escolheu o gênero distopia para escrever sua história. Muita gente fala que, atualmente, vivemos uma distopia. Seu livro pode ser considerado profético?

 

R: Creio que toda distopia aspira a ser plausível. Ao contrário da ficção científica pura – se há tal coisa – que pode existir em um cenário dissociado do contexto social de quem escreve, a distopia tem um foco nas relações humanas. A tecnologia interessa na medida em que projeta mudanças nem sempre desejáveis sobre a sociedade e os indivíduos. Há uma ideia inerente de progressão de tendências e cenários, e por isso mesmo seria um exagero falar em profecia.

 

Os personagens de seu livro tem nomes bem extensos e diferentes. De onde surgiu a ideia de nomeá-los desse jeito?

 

R: Creio que se trata de um processo que já ocorre em escala global. À medida em que a palavra escrita e a tradição perdem força, declina o apego dos segmentos menos educados pelas convenções. Nos cartórios e consulados brasileiros o registro de nomes exóticos já é um fenômeno corriqueiro. Se alguém ler o “The Sun” ou o “Bild”, jornais populares em seus países, verá que não se trata de uma exclusividade nossa.

 

O personagem do Satanista nos faz lembrar Basil Hallward no clássico de Oscar Wilde, “O retrato de Dorian Gray”, e filmes como “Coração satânico” (1987), com Robert De Niro, e “Advogado do diabo” (1997), com Al Pacino. Como foi o processo de construção de seu antagonista?

 

R: O Satanista é anárquico e amoral. Ele entende que os fins são uma justificativa dos outros para desejar os meios em paz. É apenas no final da história que ele revelará uma preocupação existencial, mas em um nível tão primitivo que lhe é impossível dialogar com os demais a respeito. Trata-se do personagem que mais evoluiu ao longo do processo de criação e cujo resultado foi o mais distante de minhas expectativas iniciais.

 

Seu livro mostra que, de certa forma, o tempo passa e os problemas permanecem os mesmos. Acredita que a raça humana seja capaz de aprender com as experiências, e que possamos ter um futuro melhor?

 

R: Cada geração é uma folha em branco e não há garantias de que a experiência acumulada será transmitida sem ruídos. Um futuro melhor depende, também, de sermos humildes o suficiente para reconhecer isso. Não percebo na literatura brasileira contemporânea, com honrosas exceções, um interesse pelo futuro, quanto mais um futuro melhor. Um observador isento talvez dissesse que nossa literatura está obcecada em legar ao Brasil um passado melhor.

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