Pedras, jabutis, manhã de bruma e chuva fina, a inquietude da noite ou o orvalho nas plantas. “Palavra Passarinha” (Ed. Versiprosa), de Suzana Piscitello, é um livro de descoberta e de reunião de momentos fragmentados. São poesias, palavras aladas e passageiras, por isso passarinhas. Se, em determinados momentos as poesias assumem um tom grave, fundo e triste, em outros, descobrem nas brincadeiras silábicas a plenitude e o riso da infância. Leiam a entrevista com a poeta, professora e tradutora,
Desde criança a leitura e escrita fizeram parte da sua vida? Ou quando surgiu a necessidade de se expressar através das palavras?
R: Sim, a escrita surgiu na minha infância. Assim que aprendi a ler e a escrever eu quis escrever um livro. Isso se realizou de um certo modo. Lembro que meu pai me levou numa papelaria e compramos folhas coloridas, cartolina e canetinhas, com 6 anos, se não me engano, confeccionei um livrinho, esse foi meu primeiro livro. Desde então eu sempre quis e sempre gostei de escrever e brincar com as palavras, é algo que atravessa a minha vida inteira.
Em “Palavra Passarinha” a natureza permeia e se faz presente em cada poema. De que forma ela inspira seu processo de escrita?
R: Eu gosto de sentir as mudanças das estações, a primavera, o vento do outono, me sinto afinada com isso. Também gosto de observar pássaros, flores, acordo cedo pra ficar mais tempo atoa, fiscalizando a natureza, sem fazer nada, só existindo mesmo. Pode soar estranho, num mundo que exige tanta “conexão”, e informação, mas estar em sintonia com esse inútil, essas “inutilezas”, esse “fazer nada” distraído permite que a escrita e a poesia aconteçam.
As poesias são reunidas em cadernos com títulos como: “Palavra passarinha”, “A sílaba das crianças”, “Zoo-lógico mundo” e “Hai-quases”. Por que escolheu esse formato?
R: Esse formato aconteceu quando eu estava selecionando as poesias que poderiam compor um livro. Algumas me pareceram ter algo em comum, então eu fui agrupando essas poesias em cadernos onde a temática me pareceu a mesma, ou onde uma poesia ecoa outra. Foi um modo de organização que surgiu junto com a ideia do livro, mas as poesias já existiam, dispersas, na gaveta.
Ouvem-se ecos de Manoel de Barros em seu livro. Ele é uma influência? Quais outros poetas lhe inspiram?
R: Eu fico feliz com esses ecos de Manuel de Barros, é um poeta que gosto muito, muito mesmo. Ele tira a palavra de um lugar estático e faz ela delirar e brincar. Ele chama os bichos, os rios, e a terra pra essa brincadeira de palavras, acho isso muito bonito. Eu não sei apontar influências, já li tanta coisa boa e tanta coisa diferente, de Platão à Bashô, Heráclito, Guimarães Rosa, Adélia Prado, Ailton Krenak, Dostoievski, Mark Twain, Louise Glück, Anne Carson. Sem contar as músicas do Milton, as canções de roda para crianças, o folclore do Brasil, tudo isso e mais um pouco deve ter servido de influência para o que escrevo.
As poesias sobre ou para crianças contém um encanto à parte. De onde vem essa voz e esse olhar sobre a fase primeva da nossa existência?
R: Eu vejo a infância como um acontecimento extraordinário na vida do ser humano. Há tanta plenitude e criação, fico me perguntando que tempo é esse da infância, que hora é essa da criança? Escrever às vezes me conecta novamente com esse lugar, com essa hora, eu permito então que a criança brinque, que a menina dance. São horinhas sorrateiras, às vezes elas desaparecem, daí surge uma certa melancolia.
Quais são seus planos após “Palavra Passarinha”? Planeja se aventurar em outro gênero?
R: Eu tenho muitos planos, às vezes eles parecem me soterrar e estagnar. Agora estou trabalhando em um romance, espero que ele aconteça. A poesia, no entanto, permanece. Tem horas, por exemplo, que me vejo pensando em versos, ou “recebendo” poesias, como se eu fosse uma “mãe de santo” das palavras. É pura brincadeira isso que estou dizendo, mas deixo a poesia acontecer assim, vamos ver, sei que vem coisa boa por aí!