Poeta descalço

“O sol vinha descalço” é o livro de estreia de Eduardo Rosal e foi vencedor do Prêmio Maraã de Poesia 2015. Diz Priscila Wandalsen, Mestre e doutoranda em Literatura Brasileira (UFRJ) sobre a obra: “Ao ouvir os sons que emanam das páginas, as imagens desconcertantes, sensoriais, os diálogos e rompimentos com a tradição, percebe-se que Eduardo é muito consciente de sua ‘luta com as palavras’. Essa luta vã, como afirma Drummond, fica clara na procura de uma metáfora precisa no verso ‘O som é um silêncio/ entre Deus e o Diabo’; na disposição das palavras nas páginas, devido a um sensível diálogo com Ferreira Gullar; no caos existencial do poema ‘Humano’; nas perguntas amalgamadas de ‘Fumaça’; nas gostosas aliterações que permeiam todo o livro.” Leiam a entrevista com o poeta.

 

Você é mestre e doutor em Teoria Literária. Isso ajuda de algum modo na escrita da sua poesia?

 

R: A experiência acadêmica contribui, sem dúvida, para a minha produção poética, sobretudo pelo aprofundamento e o alargamento da leitura. O escritor tem de ser um grande leitor. Busquei sempre, em meu percurso na universidade, um estudo do diálogo entre as mais variadas formas de arte. Tanto que escrevi uma tese de doutorado que aborda, não só literatura, mas também artes plásticas, música, história, mística e até física, por exemplo. A literatura é a potência da conversa entre os mais diversos saberes. E, para mim, o ponto de convergência desses saberes é a noção de imagem. Escrevo para aprender a ver e criar imagens.

 

“O sol vinha descalço” tem o rigor da forma, mas fala de temas bem próximos do leitor – é um livro fácil de ler. Isso foi intencional?

 

R: Meu livro não é um mero apanhado de poemas; é um livro pensado. E, nesse sentido, um livro que busca, sim, certo rigor de escrita; é um livro que reescrevi ‒ apagando mais do que acrescentando ‒ durante muitos anos, justamente para encontrar essa forma. Ao mesmo tempo, quis um livro que tocasse em temas comuns do nosso cotidiano, e que transmitisse o meu olhar para esses elementos corriqueiros que, muitas vezes, passam despercebidos. Tentei aliar essa temática a um cuidadoso trabalho formal, mas sem deixar que este sobressaísse. Acredito que por esse motivo é que tive um retorno positivo tanto de grandes críticos como Eduardo Portella, Alfredo Monte e Marcos Pasche, quanto de leitores jovens e não vinculados à cena acadêmica.

 

Como se deu a sua formação em poeta? Quais autores leu e quais lhe influenciaram?

 

R: Sempre fui um leitor apaixonado, desde muito novo. Mas como não tinha livros em casa, foi através da MPB e dos livros didáticos (ainda no ensino fundamental) que tive meus primeiros contatos com o texto literário. Comecei lendo os parnasianos e os românticos. Depois fui buscando outros poetas. A descoberta dos sebos foi um boom na minha vida. Quando cheguei em Vinicius, fiquei viciado, mas
àquela altura não percebi a modernidade dele, até que topei com Ferreira Gullar. Foi o segundo boom. Daí vieram Drummond, Adélia, Cabral, Murilo, Bandeira e Pessoa. Depois que ingressei na faculdade de Letras, a lista cresceu exponencialmente. Poderia citar alguns: Dante, Montale, Sena, Eugénio de Andrade, Vallejo, Hölderlin, Rimbaud, Baudelaire, Mallarmé, Apollinaire, Char, Lorca, Maiakóvski, Kaváfis, Waly Salomão, Hilda Hilst etc. Isso para ficar só nos consagrados e não estender muito a lista.

 

Você acaba de realizar a preparação de texto da poesia completa de João Cabral de Melo Neto para a Editora Alfaguara. O que significa, na prática, preparar o texto de um autor considerado ‘pronto’ e já consagrado?

 

R: Já fiz preparação e copidesque de muitos livros, inclusive de importantes autores contemporâneos como Ricardo Lísias, Carrascoza, Adriana Lisboa e Verissimo. Mas preparar o texto de um autor falecido e consagrado, como é o caso de João Cabral, me apresentou um desafio diferente, porque implicava em um rigoroso cuidado com o irretocável estabelecimento de texto feito pelo Antonio Carlos Secchin (quem hoje responde editorialmente pela obra de Cabral). Na prática, meu trabalho foi, então, padronizar todo o arquivo e, sobretudo, cotejar ‒ palavra por palavra ‒ cada um dos poemas, a fim de garantir à edição uma perfeita fidedignidade às versões corretas dos poemas e à estruturação dos livros, pois as edições anteriores da obra completa de Cabral, além de não serem completas, incorreram em inúmeros equívocos, tanto editoriais quanto textuais. Portanto, se em outras preparações eu tive mais liberdade para sugerir e interferir no texto (sempre com aprovação do autor, é claro), no caso de João Cabral o que precisei fazer foi garantir a eliminação dos antigos desvios editoriais e textuais para, enfim, atender ao milimétrico trabalho que, em vida, o próprio Cabral sempre teve com seus livros. Afinal, não custa lembrar que alterar/deslocar/suprimir uma vírgula, um espaço, uma letra etc. faz todo o poema desandar, sobretudo quando se trata do poeta de maior apuro formal em nossa literatura.

 

“O sol vinha descalço”, quando ainda era inédito, foi vencedor do Prêmio Maraã de Poesia. Isso ajudou na publicação da obra? É importante, para um escritor, procurar e inscrever seus originais em prêmios? Por quê?

 

R: O Prêmio Maraã de Poesia, além da premiação em dinheiro, garante a publicação da obra pela editora Reformatório. Aliás, a última edição do Prêmio trouxe uma novidade: a publicação de duas obras, em parceria com a editora Patuá. Não tenho dúvidas de que, se não fosse o Prêmio, teria sido bem difícil publicar por uma editora com a qualidade da Reformatório, sem ter que fazer um pesado investimento financeiro. É óbvio que há alternativas, mas é inegável que um prêmio abra portas decisivas, além de estreitar o caminho até o leitor, já que a premiação acaba sugerindo ao leitor certa qualidade da obra, devido ao fato de ela já ter passado por um respeitado crivo crítico.

 

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