O ritmo do tambor e a delicadeza do bordado na literatura de Julianne Veiga

Mulheres que perderam tudo. Mulheres que amaram demais. Mulheres de muita força – até mesmo física. Mulheres que olham o passado sem perder de vista o horizonte à frente. As “Histórias do meio do mundo”, tecidas por Julianne Veiga e publicadas pela Editora Patuá, retratam o universo feminino com o bordado da poesia. Não por acaso a autora é também bordadeira e toca tambor nos blocos da cidade de Goiás Velho (GO), onde nasceu e vive. Leiam a entrevista.

 

Você nasceu em Goiás Velho, cidade histórica bem no meio do Brasil, distante cerca de quatro horas e meia de carro da capital Brasília. Vem daí, desse “meio do mundo”, as suas histórias? Ou de outros lugares? Quais?

 

R: O “meio do mundo” é um lugar subjetivo, onde você desenvolve, o tempo todo, a pessoa em quem vai se tornando. É nosso local de presença. No meu caso, geograficamente falando, para minha sorte, nasci e vivo, como você disse, em uma cidade antiga, cortada por um rio, cercada por morros e serras, localizada no meio do Brasil. Algumas das minhas histórias são típicas da gente daqui da cidade de Goiás, a maioria, porém, pode integrar qualquer outra territorialidade, subjetiva ou não.

 

Goiás Velho é o berço da poeta Cora Coralina e palco da impressionante procissão do Fogaréu. Essa atmosfera de Cultura e História influenciam a sua literatura? Como?

 

R: Goiás surgiu como Vila Boa há 294 anos (1727). Até o final do século XIX, início do século XX, dada a dificuldade de acesso, foi marcada por forte isolamento. Este fato determinou que o vilaboense desenvolvesse uma cultura muito própria e expressiva. Ao longo de sua história, a cidade tem sido berço de inúmeros talentos, muitos autodidatas, que produziram, com excelência, escultura, música sacra, erudita e popular, pintura, literatura, poesia, canto… Não tenho como fugir deste rico universo que me integra muito mais do que eu a ele.

 

Você escreve há bastante tempo, reunindo histórias. Por que decidiu publicar agora?

 

R: Talvez porque eu sempre tenha me visto como alguém que apenas escreve e não como escritora, propriamente. São papéis distintos, um é mais elaborado e denso do que o outro. Mas os livros vão ganhando corpo e, ainda que seu nascedouro não tenha sido planejado desde o início, eles acabam por se impor.

 

Seus contos são delicados e falam de questões femininas. O que te motivou a escrever sobre esses temas?

 

R: As questões femininas precisam vir, despidas de rótulos e amarras, para a superfície a fim de que um novo olhar de respeito possa recair sobre elas. Não sou de levantar bandeiras, não me agradam as palavras de ordem, mas é inegável a histórica negação da força do feminino pela tentativa constante da anulação de sua positividade e pela construção de uma pejorativa caricatura de fragilidade subalterna. A vida da mulher comum, no seu cotidiano mesmo, sem viés algum de vitimismo, é em si um desafio constante, um ato de bravura que pede coragem.

 

Além de escritora, você é bordadeira e toca tambor. Que tambor é esse? Existem paralelos entre bordar, tocar um instrumento e escrever?

 

R: Toco alfaia, um tipo de tambor popular. O meu é artesanal. Gosto, também, do bordado livre. Já escrever ultrapassa o gosto para alcançar uma espécie de estado de necessidade. A possibilidade de criar algo novo pela via dos sentidos, da emoção e das mãos é o paralelo que percebo entre a produção de um som ancestral, das imagens de cor nascidas dos pontos dados no tecido e as ideias e histórias anunciadas pelas palavras postas em articulação umas com as outras. Enquanto o bordado me acalma, o tambor me excita e a escrita me absorve por completo.

 

Dizem que o caminho natural, após o conto, é o romance. Tem planos de escrever uma narrativa longa? Caso sim, qual será o tema?

 

R: Não tenho este projeto. Não sei se minha disciplina e a pessoa imediatista que tendo a ser sustentam uma narrativa longa. Não posso dizer, entretanto, que nunca o farei, porque meu exercício com relação às certezas é no sentido da fuga.

 

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