Literatura policial de maçarico

Políticos corruptos são assassinados em série. A arma do crime: um maçarico. “2.990 graus – a arte de queimar no inferno” (Panda Books), do escritor Adilson Xavier, acompanha Hermano, jovem delegado que tenta cumprir seu papel enquanto os criminosos do grupo “Vingadores do Povo” conquistam o apoio popular. Política, Imprensa, Opinião Popular e Criminologia pontuam uma trama cheia de reviravoltas, críticas e conflitos.

 

Tanto na Literatura quando no cinema ou séries de TV, as histórias de detetives sempre cativaram o público. Quais qualidades fazem esse gênero continuar fascinando as pessoas?

 

R: As histórias policiais têm o poder de sugar o público para dentro da trama. Elas são interativas por natureza, compartilham o mesmo DNA dos games. O leitor ou espectador é convidado a participar da investigação, muitas vezes assumindo a identidade do protagonista, ou competindo com ele na corrida pela resolução dos casos criminais. Esse é um aspecto especialmente desafiador para os escritores: construir situações que resistam à argúcia cada vez maior dos amantes do gênero. Quando a estrutura narrativa mantém o público mais informado do que os personagens, o fluxo emocional se inverte, acentuando a torcida para que o vilão, já conhecido, não consiga executar seus planos e escapar impune. Nesses casos a diminuição do aspecto game é compensada pelo expressivo aumento da tensão, o que também segura o interesse do público até o último instante.

 

Hermano é um jovem delegado, mas tem certo orgulho de veterano. Quais outros detetives da ficção foram importantes para você na composição do personagem?

 

R: O brasileiro Espinosa (criado por Luiz Alfredo Garcia-Roza), e os estrangeiros Mikael Blomkvist (jornalista investigativo criado por Stieg Larsson), Angela Gennaro e Patrick Kenzie (criados por Dennis Lehane), e Harry Hole (criado por Jo Nesbø).

 

A trama do seu livro gira em torno de assassinatos de políticos com um maçarico. Quais características o fizeram escolher por essa arma incomum? Como acha que as pessoas reagem com essas cenas?

 

R: A arma é 100% metafórica. O título do livro entrega o conceito da história, que gira em torno da elevação de temperatura. Pessoas de cabeça quente num planeta submetido ao efeito estufa, tudo conspirando para que nosso dia-a-dia se aproxime cada vez mais do calor insuportável que costumamos definir como inferno. Em determinado momento do livro, o protagonista define inferno como “um fogo que queima por dentro”, essa é uma das frases mais reveladoras da ideia que permeia toda a narrativa. A reação das pessoas às cenas descritivas dos assassinatos é exatamente a que eu buscava: horror. Depois desse impacto de repulsa vem o questionamento sobre o castigo ser merecido ou não, e daí surge a reflexão, tanto sobre o conflito proposto no livro, quanto sobre o non-sense desse rumo brutal que nossa sociedade está tomando.

 

O seu livro engloba Política, Imprensa, Opinião Popular e Criminologia. Como foi a pesquisa para a escrita da obra e qual desses eixos foi o mais complexo para trabalhar?

 

R: A pesquisa foi deliciosa. Adoro aprender e cada livro que escrevo é uma oportunidade para aumentar minha bagagem. O eixo mais complexo foi o da tortura nos anos de chumbo, tema que voltou à tona com o surgimento da Comissão da Verdade (verdade, aliás, é uma obsessão filosófica do delegado Hermano), e assunto fundamental no momento em que começam a surgir estranhos focos de saudosismo da ditadura militar, ignorando o gigantesco mal que um retrocesso àquele estado de violência institucionalizada pode causar ao Brasil.

 

Além de escritor, você é CEO da Zola Filmes, com produções para audiovisual. Isso significa que logo a história do detetive Hermano ganhará as telas?

 

R: Adoraria que isso acontecesse. Mas são plataformas muito diferentes e eu sou péssimo para defender meus interesses nessas horas. Acabo tratando meus livros com tanto rigor que é muito mais fácil defender as obras de outros autores.

 

 

– José Fontenele

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