Tomas Rosenfeld foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura, categoria autor estreante, com seu primeiro romance, Para não dizer que não falei de Flora (7Letras, 2015). Em seu segundo romance, Vão livre, um jovem casal holandês, pais de duas crianças, decide deixar a Europa para morar no Brasil. A ideia de uma nova terra vem acompanhada por um projeto de casa. A trama se desenrola em torno da edificação desta propriedade, que também serve como metáfora para uma série de questões sutis, e ao mesmo tempo fundamentais, expostas no romance. Leia a entrevista com o escritor.
“Vão livre” usa a história da construção de uma casa como metáfora ou linha condutora de um romance, que, na verdade, tem como centro, a relação amorosa entre um casal. Como surgiu essa ideia – bastante elaborada e original?
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
R: Tudo começou pela casa mesmo. Tenho uma relação muito forte com a arquitetura – foi a primeira faculdade que fiz e talvez até por não a ter concluído, essa questão do espaço sempre volta pra mim. Na faculdade a gente tentava imaginar as pessoas e as casas que elas iriam habitar – de alguma forma, é um processo parecido, imaginar a casa
e as pessoas. Tem outra coisa que acho que acho muito interessante na arquitetura e que está conectado com a sua pergunta que é o choque entre o que imaginamos e o que realmente existe. O futuro morador de uma casa primeiro a imagina, contrata um arquiteto, desenham um projeto e então uma hora a casa está pronta e ele passa a habitar
um lugar real, com paredes e janelas. Claro que tem uma realização na conclusão desse processo, mas também uma necessidade de ter que lidar com o que é real e, diferentemente da imaginação, é mais ou menos estático. Acho que isso pode ser um choque e que está também muito conectado com as relações amorosas. Projetamos tantas coisas nas pessoas que amamos e depois temos que lidar com o que as pessoas realmente são e às vezes isso também pode ser frustrante. Acho que nesse sentido a arquitetura e as relações são muito próximas e essa foi uma das inspirações para o livro.
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
O romance é narrado por duas vozes, do homem e da mulher. Foi difícil encarnar um e outro para narrar os mesmos fatos de diferentes pontos de vista?
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
A ideia inicial era escrever assim mesmo em duas vozes, então foi meio natural. Eu queria esse desencontro entre as diferentes perspectivas de uma mesma história e acho que as duas vozes foram fluindo.
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Seu romance anterior, “Para não dizer que não falei de Flora” (7letras), foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura 2016, e também fala de relações humanas, no caso, a gestação decorrente de uma gravidez inesperada. Qual é a gênese da sua literatura?
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
R: Os dois livros têm em comum o fato de terem como cenário um país que é estrangeiro para os seus protagonistas. Em ambas as histórias as personagens precisam lidar com situações difíceis em uma língua e uma cultura que não são propriamente suas. Gosto dessa sensação dos personagens serem estrangeiros, mas ao mesmo tempo há uma familiaridade, um parceiro ou parceira com quem se viaja. Então existe essa unidade familiar de um casal, mas em um ambiente externo que é totalmente novo. E claro que as relações acabam também influenciadas pela mudança do espaço. Tenho gostado de explorar essa relação entre espaço e pessoas, acho que é uma coisa que me inspira a escrever.
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Você mora fora do Brasil e trabalha em uma multinacional. Como encontra tempo para exercer sua literatura?
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
R: Eu gosto de escrever bem cedo, então acabo acordando cinco, cinco e pouco da manhã e escrevo por uma hora e pouco. Todos os dias. Acaba sendo suficiente e é a hora em que estou mais inspirado.
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Quais são suas motivações para escrever, considerando que a indústria editorial no Brasil – onde seus livros são publicados –, passa por séria crise e o livro ganha cada vez mais competidores como séries de TV, podcasts, audiolivros e outros que ainda irão surgir?
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
R: Gosto de pensar que a literatura sempre terá o seu espaço. Ela abre um outro tempo – de sentar, ficar em silêncio, imaginar. Para mim é um elemento muito importante e acho que também para muitas outras pessoas.
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀