Em busca das raízes indígenas

Matalauê está me chamando é um fascinante diário, pleno de literariedade, em que caminhamos junto com Vera Moll, pisando descalços a fina terra do chão das aldeias guaranis da Serra do Mar. Uma jornada de descoberta e encantamento que lança luz sobre as questões vivenciadas por esse povo massacrado, quase exterminado, que ainda hoje luta para ter seus direitos respeitados. Um livro imprescindível a todos aqueles que acompanham e se importam com os índios do Brasil.

 

“Matalauê está me chamando” levou dez anos para ficar pronto. Por que?

R: Iniciei este romance em 2000, após ouvir o manifesto lido por Matalauê, índio Pataxó, que denunciou o extermínio dos habitantes nativos durante a comemoração dos 500 anos da “descoberta do Brasil”. Tentei colocar no papel as histórias que ficaram gravadas no imaginário brasileiro, ideia que abandonei depois que entendi que elas foram narradas a partir da façanha dos conquistadores. Tentei outra abordagem, que também não consegui levar adiante. Fui tomada por um sentimento de fracasso e abandonei o projeto. Quando retornei, descobri que deveria ir para as aldeias conhecer os indios em seu habitat. A obra exigiu uma extensa pesquisa antropológica e, à exatidão das informações, somei um texto poético. Em literatura, o tempo é aquele que o livro exige.

 

O livro mistura ficção e memória. O que é um e o que é outro?

R: Meu primo costumava contar, quando tínhamos doze ou treze anos: “A avó do vovô Gamboa era uma índia pega a laço”. Na família havia a lenda, mas, nenhum dado real sobre essa avó. Construir o personagem e contar sua história demandou, portanto, um trabalho de pesquisa e ficção. Literatura não é um relato de fatos acontecidos e vividos. O romance trabalha com lembranças inquietantes ou dolorosas que deixam questões e feridas por responder ou curar. Em verdade, foi uma longa caminhada que empreendi em busca dos meus ancestrais e da verdade do meu ser.

 

Após finalizar e lançar o livro, você manteve contato com os indígenas? Como é a sua relação com a causa indígena hoje?

R: Após lançar meu livro em 2019, compareci a um evento na Academia Brasileira de Letras sobre as línguas indígenas, onde conheci a cacica Jurema, chefe de uma aldeia em Maricá (RJ), com quem mantenho contato.  Ela é irmã de Darci Tupã, com quem fiz uma oficina de cultura e língua Guarani. Em início de novembro, ela me convidou para um Encontro de Jovens e Lideranças Indígenas na aldeia Mata Verde Bonita. Fui acompanhada de Valéria Martins, minha agente literária, e Cláudia Neubern, cineasta brasileira radicada na França. A aldeia em Maricá está instalada em uma APA, área de proteção ambiental, e segundo a cacica nos informou, em relação à saúde e à educação, estão bem atendidos. Tenho também escrito alguns artigos sobre a Floresta Amazônica e a medicina indígena, que costumo postar em minha página profissional no Facebook.

 

O romance “Vestido vermelho” (2010), de sua autoria, vencedor do Prêmio Nacional Cruz e Sousa (2008-2009) tem como pano de fundo o movimento estudantil em 1968. Qual é a sua visão do cenário político atual em nosso país?

R: Faço parte da geração 68, ano em que me formei em Filosofia na Faculdade Santa Úrsula, época marcada por forte movimento estudantil. Em “O vestido vermelho” quis retratar os sentimentos dos alunos do ponto de vista do universo que eu podia visualizar. Os estudantes lutavam contra a ditadura e pela volta do Estado de Direito. Havia, sim, um núcleo revolucionário atuante que representava uma pequena parcela dos universitários. Os estudantes, na verdade, revelam as tensões que agitam as sociedades. Não me sinto à vontade em meio ao radicalismo que divide o país.

 

Os romances “Um homem delicado” (1996) e “Mulher de bandido” (1998) são de temática feminista. Como esse feminismo se manifesta ou se manifestou em sua vida?

R: O lado mais forte da minha formação familiar foi o materno. Minha avó ficou viúva com 37 anos e treze filhos, sendo o último deles, recém-nascido. Era a figura de comando na família, que acolhia a todos com sorriso franco e mesa farta. Vivendo, pois, em um matriarcado, adquiri a certeza da igualdade. A convivência com a família de meu pai era também próxima, porém, marcada pela animosidade entre minha mãe e a sogra que defendia o machismo estrutural da sociedade. Casei-me muito jovem, tive cinco filhos, um atrás do outro, e senti na pele como a mulher e a mãe tornam-se reféns do marido, emparedas dentro de casa, sem atividade profissional e dependentes financeiramente.

 

Sobre o que está escrevendo ou pensando em escrever agora?

R: Estou trabalhando em um romance, A fonte que canta, tendo já colocado a primeira parte no papel. O protagonista é um médico recém-formado, humanista e anticlerical, com algum conhecimento de literatura grega, que chega, na década de 20 do século passado, a Bela Vista, cidade imaginária ao sul do Espírito Santo. Esse e outros personagens devem refletir os temas que agitam minha consciência atualmente, e que também movem a sociedade brasileira.

 

 

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