Desejo e liberdade

Um homem que ama a vida, a diversão e os amigos. A família de estirpe pressiona para que se case com alguém à altura. O plano é executado, mas o destino se impõe. Desdobramentos e consequências desfilam ao longo das páginas de “As amarras”, novo romance do escritor e diplomata Jorge Sá Earp, confirmando que não se pode ou deve frear o desejo de um coração. Jorge é autor de dezoito livros, entre eles, “Ponto de fuga” (romance), vencedor do Prêmio Nestlé de Literatura. Leiam a entrevista com o autor.

 

 

“As amarras” é seu décimo oitavo livro. Como é seu processo criativo? De onde vem as histórias?

R: Minhas histórias surgem de várias maneiras: uma cena vista na rua, uma frase de alguém, um rosto, um fragmento de história contada por alguém etc. No caso d’“As Amarras” o estopim foi a situação de uma pessoa dotada de sensibilidade artística num meio que a força a seguir uma profissão convencional, bem aceita pela sociedade.

 

Em que momento você sente que está diante de um novo livro a ser publicado? Algumas vezes já começou um livro e não terminou?

R: Meu primeiro romance nasceu da frase: “Eu me lembro da hera”. Dali surgiram a casa e os personagens. Vou escrevendo a história, tendo dela uma ideia geral, pálida e ela vai aos poucos progredindo, se ramificando até chegar um momento em que eu sinto que acabou. Terminei a construção: o edifício está pronto.
Não; nunca deixei um livro inacabado. Não gosto. Me aflige. A história parece que te exige de ser contada até o fim.

 

Eusébio, Zebinho, protagonista de “As amarras”, sabe onde está sendo levado e as possíveis consequências, mas é incapaz impor limites. Acredita que essa dificuldade é natural do ser humano?

R: É justamente esse o fulcro do livro: a fragilidade e a hesitação iniciais do protagonista diante da pressão da vida exterior. E a sua reação frente a essas imposições fundamentais na sociedade burguesa: a carreira e o casamento.
É natural de todo ser humano; em uns mais em outros menos.

 

O ambiente em que se passa a história é o que antigamente se chamava “alta sociedade”. Acredita que esse meio reforça ou reforçava “as amarras” sociais retratadas no livro? Algo mudou comparando com os dias de hoje?

R: Acho que o romance se situa mais num ambiente de classe média da Zona Sul do Rio de Janeiro. Nas classe alta e média há a preocupação do status e do poder; da garantia econômica. Dinheiro e vaidade.

 

A literatura se pulverizou na era da internet. Há escritores e livros para todos os gostos. Como se destacar nesse meio? Você escreve com alguma meta nesse sentido?

R: Não. Escrevo e publico há muito. Procuro continuar a ser fiel a mim mesmo. Acho que a minha obra segue a sua trajetória por si mesma. Comecei meio barroco, meio rebuscado e desde então venho tentando depurar meu estilo à medida que cada livro vai surgindo. Mas por uma atitude própria,originada em tendência natural.

 

Nos últimos cinco ou dez anos, os LGBT deixaram de ser tão estigmatizados e vem protagonizando carreiras de sucesso. Vide Pablo Vittar (cantora), Linn da Quebrada (atriz), Erica Malunguinho (deputada estadual e a primeira mulher transexual na Assembleia Legislativa de São Paulo), entre outras personalidades. Você morou fora do Brasil muito tempo. Acompanhou essas mudanças? Onde estamos hoje? O que falta para melhorar ainda mais?

R: Com muita atenção e devo dizer que a mudança é espantosa, em relativo pouco tempo. Nasci em 55, minha pré-adolescência e adolescência nas décadas de 60 e 70 ainda sofreram muitos preconceitos, apesar da liberdade sexual desses anos. Mas há muito preconceito ainda, muita rejeição à homossexualidade. A mentalidade da pessoas demora a aceitar aquilo que é diverso da maioria. É um processo longo: casamento e adoção ajudam, mas não mudam a resistência conservadora da noite para o dia. Está arraigado o preconceito contra a homossexualidade. Na maior parte dos países. Tem a ver com controle de poder. Política e religião.

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