Cronista para todos os dias

Marco Antonio Martire é dos antigos cronistas. Em seu novo livro “O gato na árvore” (Editora Moinhos), uma seleção de textos publicadas na revista eletrônica “Rubem” (www.rubem.wordpress.com) desde 2014, percebemos o autor na busca pelo inusitado do dia a dia como Paulo Mendes Campos, Rubem Braga ou Nelson Rodrigues. Martire passeia pelos mais diversos assuntos sempre com humor, ironias finas e aquela conversa despretensiosa de quem reflete sobre a vida em suas mais variadas camadas. Lançamento no dia 5 de abril, quinta-feira, na Livraria da Travessa, em Botafogo, às 19h.

 

Oasys: A crônica não é um gênero tão popular hoje quanto nas décadas de 60 e 70, apogeu de Rubem Braga, Nelson Rodrigues, Paulo Mendes Campos e até Drummond. Por que um livro de crônicas?

 

R: É possível dizer que o gênero crônica, cultivado por esses consagrados autores brasileiros, renovou-se com o incrível poder de difusão da internet, resgatando para o leitor internauta um jeito de contar histórias sobre a cidade e o cotidiano que andava emperrado, deixado de lado, porque vencido em popularidade por uma vontade quase unânime de ler notícia e opinião. Penso que um livro de crônicas hoje se insere nesse contexto, em propor uma alternativa para essa tentação de opinar que conquistou também na web enorme adesão. Felizmente, o tempo tem mostrado que existe espaço na internet para outra proposta de comentário e a crônica vem encantando leitores. É o dia a dia.

 

Muitas de suas crônicas falam da perplexidade do ser humano diante da tecnologia. Por que a preferência por este tema?

 

R: Essa perplexidade me interessa demais. A tecnologia provoca mesmo esse fascínio, mas é também capaz de paralisar, o que não é desejável. Tudo bem que tanta novidade fantástica impressiona, mas temos que naturalizar isso, atuar com espírito crítico, observar e falar do caminho sempre. As ciências precisam desse retorno e eu gosto de comentar o assunto, gosto de refletir sobre os comportamentos que advêm da realização dessas novidades todas, creio que assim faço minha parte.

 

Outras são como seu olhar em andanças pela cidade do Rio de Janeiro, que infelizmente não vive seus melhores dias. Qual é sua percepção do Rio hoje e o que espera que aconteça?

 

R: O Rio sofre com a desigualdade, a crise econômica jogou uma grande parcela de trabalhadores no desvio do desemprego e não há sinal de investimentos. Eu lamento. A violência também está horrorosa. Eu espero uma reação, um movimento sério de investir no Rio, mas não da boca para fora, como mera resposta didática ao que vemos no noticiário. É preciso reconhecer que existe sofrimento de verdade nas camadas populares, não é crise de trocar pelo mais barato, é crise de fome, de falta de grana para pagar por moradia. Crise de esperança. O assassinato da vereadora Marielle Franco foi chocante e terrível. E a difamação que veio depois mostrou o espelho. Todos puderam perceber. Acho que está faltando uma conexão legítima.

 

O conto Capoeira de Angola mandou chamar, disponível em ebook, foi vencedor do Prêmio Lucilo Varejão 1999, dado pela Fundação de Cultura Cidade do Recife. Fale um pouco sobre o conto e a experiência de ser premiado.

 

R: Esse livro reflete minha experiência como capoeirista angoleiro. Pratiquei capoeira angola de 1996 até meados de 2000. Na época, sentia uma urgência em relação à palavra, embora eu já escrevesse habitualmente, desde antes da faculdade de Comunicação, ainda no ensino médio. Naqueles anos de roda de capoeira, quis a experiência de escrever um livro e não havia outro assunto. O primeiro personagem em que pensei foi o mestre Maneco, mestre angoleiro que tem de lidar com as dores de um trauma forte na coluna. Uma vez imaginado o meu protagonista, pensei nos outros personagens: Diabo loiro, Maiara sem mestre, Loba da angola e os demais. Ser premiado e depois publicado por uma instituição como a Fundação de Cultura Cidade do Recife teve uma importância inestimável para mim, então com 25 anos. Foi o estímulo ideal aplicado na hora certa, me deu a confiança necessária para continuar. Eu viajei para o Recife na época, duas vezes, uma para a premiação e outra para o lançamento, conheci as pessoas ligadas ao concurso, os premiados nas outras categorias, foram duas viagens incríveis.

 

Cara preta no mato, por sua vez, é uma novela de suspense publicada em ebook em 2015. Como foi escrever um texto mais longo?

 

R: Quando escrevi Cara preta no mato, muito antes de 2015, a vida estava feia para o meu lado. Eu estava sem grana e sem perspectiva. Tive vontade de falar sobre isso e pensei na história do cara que explora uma trilha com amigos, para depois ganhar dinheiro trabalhando como guia. É uma história de angústia, mas muito espontânea, concluída em forma de novela, gênero onde eu queria me arriscar após ter publicado os contos de capoeira. Gostei muito da experiência, penso em voltar à novela em algum momento.

 

Quando teremos um romance de Marco Antonio Martire?

 

R: Tenho algumas páginas na gaveta, já andei mostrando, estou em busca de um sim. Os leitores gostam de romance, não é? Então vamos ao romance, que seja um romance curto ainda, como início, para testar o fôlego, mais tarde quem sabe um romance que se espera, desses em que o suor sossega na sobrancelha. Veremos.

 

– Valéria Martins

 

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