Para que se faça sempre a Literatura

“Para que se façam sempre os dias e as noites” (Ed. Reformatório), romance de estreia de Denis Rafael Ramos, conta a história de uma família no interior do Brasil, através de uma narrativa poética que encontra ecos em “Lavoura arcaica”, de Raduan Nassar. Leiam a entrevista com o autor.

 

“Para que se façam sempre os dias e as noites” é um romance curto, 86 páginas, e também sua estreia na literatura. Por que escolheu esse tema – história de uma família no interior do Brasil – para seu primeiro livro?

 

R: A princípio, pensei numa história em que o tempo fosse o protagonista. O texto, aliás, nasceu com a reflexão sobre o tempo, que encerra o segundo capítulo. Como o objetivo não era escrever um ensaio, comecei a imaginar como, na ficção, o tempo incidiria sobre e além da consciência das pessoas. As personagens foram sendo concebidas a partir dessa necessidade. Essa família pode ser do interior do Brasil, como pode ser de qualquer outro lugar, pois o texto não delimita o espaço nem o tempo da narrativa, justamente para transmitir a ideia de universalidade e eternidade (inerentes ao tempo).

 

O protagonista Nazaré, que está prestes a se casar, marca um encontro com seu irmão na confeitaria no centro da cidade e, no trajeto até lá, regressa ao passado. Isso nos lembra “Em busca do tempo perdido”, de Marcel Proust. É uma influência? Quais são suas influências literárias?

 

R: Quando comecei a escrever essa história, eu havia concluído a leitura de “No caminho de Swann” e começava a ler “Lavoura Arcaica” – o que foi fundamental para que eu começasse a perseguir o estilo, a linguagem, os temas que o texto exigia. Além delas, também a leitura do conto “O milagre secreto”, de Jorge Luis Borges, foi determinante para a construção da história.

 

“O tempo – o interior, relativo, e o externo, inexorável – é o protagonista deste belo romance (…).” diz o escritor Santana Filho no texto de apresentação de seu livro. Qual a importância do elemento ‘tempo’ na sua narrativa e como optou por trabalhá-lo?

 

R: Eu pensei o tempo como uma personagem (o protagonista) e, para transmitir ao leitor a sensação de universalidade, optei por não delimitar o lugar nem o tempo, inserindo no texto elementos que remetessem, por exemplo, a Portugal, Argentina e Cuba. Toda a história consiste no regresso de Nazaré ao passado, com exceção do primeiro e último capítulos. A propósito, o último poderia suceder o primeiro, se entre eles não existissem os demais, e é por isso que se intitula “O final é também princípio e a eternidade é recomeço”: ele pretende resgatar o protagonista e o leitor da “morada das recordações” e trazê-los de volta ao presente (a véspera do casamento, anunciada no primeiro capítulo).

 

Como é sua vida de leitor? Costuma ler literatura brasileira contemporânea? Quais autores?

 

R: Nos últimos anos, a escrita tem sido um dos meus ofícios, não menos importante que a advocacia. Eu me dedico diariamente à literatura, inclusive nos fins de semana, pois de outro modo eu não seguiria adiante. A leitura, como a escrita, não é um lazer, mas uma rotina organizada. Se não encontro energia para escrever prosa, por exemplo, procuro escrever poesia, que, embora seja igualmente desafiadora, pode ser escrita com mais liberdade. Minhas leituras também são organizadas. Como o meu conhecimento da língua portuguesa é mais intuitivo que formal, faço duas leituras todas as noites, de um clássico e de um contemporâneo, alternando prosa e poesia, para comparar estilos, linguagem, construção de frases, e aprender gramática, semântica etc. Tenho lido, entre os nossos contemporâneos, Adriana Lisboa, Veronica Stigger, Maria Valéria Rezende, Lais Araruna de Aquino, João Anzanello Carrascoza, Santana Filho, Menalton Braff.

 

Após “Para que se façam sempre os dias e as noites” já tem planos para um próximo livro? Qual é o seu projeto literário?

 

R: Estou me dedicado a um outro romance, que tem sido um suplício, porque trata da sordidez inerente às alianças políticas. Esperto terminá-lo até o final do ano e revisá-lo no primeiro semestre de 2022. Tenho também uma compilação de poemas, que preciso desenvolver melhor antes de tentar publicar. Quanto ao projeto literário, pessoalmente, creio que o que venho escrevendo, a certa altura, acabará se desdobrando em dois temas: de um lado, a superioridade feminina, de outro, a constituição formal do Estado brasileiro – uma crítica (sempre ficcional, nunca ensaística) ao sistema em que se assenta a nossa democracia (se é que ela existe, de fato, entre nós).

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