Nos 19 contos de “Náufragos” (Ed. Malê), Fernando Molica trata de personagens que passam por momentos decisivos de suas vidas – e que, depois de enfrentar tempestades pessoais, nem sempre conseguem voltar à tona. Como diz o escritor Flávio Izhaki na apresentação do livro, “são pessoas comuns que vagam pelas ruas de uma grande cidade como sonâmbulos peripatéticos, falando sozinhos, com público ou não, compartilhando silêncios e segredos na mesma respiração”. Leiam a entrevista com o escritor.
“Náufragos” mostra personagens em momentos decisivos de suas vidas. Como essas pessoas – tão reais que podemos encontrá-las em cada esquina – ganharam vida através da sua escrita? De onde elas surgiram?
R: De um modo geral, surgiram da própria vida, de situações vivenciadas ou presenciadas por mim ou por pessoas conhecidas, partem de uma espécie de provocação feita pela realidade. Outros contos nasceram de maneira mais abstrata, o `Bons tempos’, por exemplo, foi pensado como uma espécie de continuação de meu romance ‘O ponto da partida’.
Fontes disseram que o título do livro, por pouco, não foi “Sabor a mi” – nome do conto que retrata a linda história do amor entre um homem e uma mulher, marcada pelas idas e vindas de um país dividido entre a democracia e o autoritarismo. Esse é o seu conto preferido do livro?
R: Sim, pensei em batizar o livro com o nome do conto, mas aí seria outro livro, mais focado em histórias que tratam de relações amorosas. Depois, devidamente aconselhado, achei melhor tornar o livro mais amplo, ainda que tenha mantido muitos contos que tratam do tema. Não sei se é o meu conto favorito (não quero despertar ciúmes nos outros), mas gosto muito dele, da possibilidade de um diálogo carinhoso com o Brasil dos últimos anos.
O conto “O quadro de Courbet”, sobre a célebre pintura de Gustave Courbet (1819-1877) – cujas imagens são “censuradas” na internet – é uma experiência fascinante em termos de tema e linguagem. Qual é a história por trás desse conto?
R: Nasceu de um convite do amigo e escritor Marcelo Moutinho, um dos organizadores do ‘Dicionário amoroso da língua portuguesa’ (Casa da Palavra). Ele pediu a escritores, entre eles, eu, que escrevêssemos contos a partir de uma palavra de que gostássemos. Como provocação, estávamos num bar, falei aquela que vulgarmente define o órgão sexual feminino. Pra minha surpresa, ele topou. O conto não tem nada de erótico ou que possa ser chamado de pornográfico, foi na direção oposta do que seria imaginado por alguém que topasse com um texto originalmente chamado ‘Buceta’.
A maioria dos contos do livro é escrita em primeira pessoa. Como se dá a escolha pelo narrador? É algo pensado ou surge naturalmente?
R: Não sei, é algo bem natural, depende muito da história a ser contada, se quero algum distanciamento ou se considero mais necessário trabalhar a partir de uma visão do próprio personagem. Fora que, às vezes, implico um pouco com o narrador que sabe de tudo, é algo meio arrogante. Gosto de pensar na ideia de construção de uma fala, quase como que num divã. O engraçado é que só notei a predominância da primeira pessoa ao dar forma final ao livro.
Sua literatura é marcada pelo fato de ser cria do subúrbio carioca. Essa é uma de suas marcas como escritor? Existem outras “marcas”?
R: Sou suburbano de Piedade, carioca, sempre morei no Rio, em diversos bairros. Acho que minha literatura é muito carioca, meus primeiros romances – ‘Notícias do Mirandão’ (Record), ‘Bandeira negra, (Objetiva) e ‘O ponto da partida’ (Record) – fazem uma espécie de trilogia, tratam de uma cidade tão bonita e tão cheia de contradições. Talvez, penso nisso agora, escrever ficção seja uma forma de me situar na minha cidade, no meu país. Gosto de jogar personagens no cenário e ver como eles se comportam, como interagem.
Você é jornalista e cobre a área de política há muitos anos, o que é sinônimo de “trabalho pesado”. Como encontra tempo para escrever e se dedicar à carreira de escritor?
R: Não sei. Costumo dizer brincando que, preso ao trabalho de apurar informações, gosto muito também de contar histórias inventadas. Meu trabalho como escritor é bem diferente do de jornalista, os princípios e as abordagens são quase contraditórios. Mas o fato de ser jornalista me permite o conhecimento de muitos ambientes e de muitas pessoas, o que acaba sendo útil na hora de fazer ficção.
Quais são seus próximos passos como autor de “Náufragos”?
R: Quero trabalhar bem o livro, os primeiros retornos têm sido bem legais. Escrever um livro dá muito trabalho, é importante tentar fazer com que mais pessoas se interessem pelas histórias lá contadas. Minhas gavetas estão praticamente vazias, nelas estão uns dois ou três contos que achei melhor não publicar nesse livro. E não faço muita ideia do que escrever agora, a cabeça ainda está – perdão – submersa no novo livro.