“Ébano sobre os canaviais”, de Adriana Vieira Lomar, é um dos cinco romances finalistas do Prêmio Kindle de Literatura 2022. A história atravessa os séculos para falar – e mostrar – como o passado influi no presente sem que tenhamos noção, impactando nossa maneira de enxergar o mundo e as pessoas, inclusive nós mesmos. Narrado de forma coloquial, sem perder a literariedade, o livro confirma o talento narrativo da escritora Adriana Vieira Lomar, que já mostrou sua capacidade em seus livros anteriores “Aldeia dos mortos” (romance, Ed. Patuá, 2020) e “Ambiguidades” (contos, Ed. Penalux, 2021). Leiam a entrevista com a autora.
“Ébano sobre os canaviais” é um dos cinco finalistas do Prêmio Kindle 2022. Ele foi escolhido entre milhares de concorrentes. Como se sente? O que isso significa para você?
R: A palavra que me vem é gratificada. Ao escrever Ébano sobre os canaviais tentei me aproximar do Brasil profundo, pautado no poder econômico, na desigualdade social e no racismo estrutural. É mais do que urgente o reconhecimento e orgulho da nossa árvore ancestral.
Ébano é o nome de uma das protagonistas de seu novo romance, concorrente do Prêmio Kindle de Literatura 2022. Conte pra gente, quem é Ébano?
R: Ébano é descendente de Kina e Chisulo, escravos trazidos para trabalhar em uma fazenda de cana de açúcar. Alforriada, apaixona-se por José e tem um filho. Mas, infelizmente, por conta do preconceito racial, o amor não prospera.
Não se pode dizer que o livro tem apenas uma protagonista, são no mínimo três. Quem são os outros?
R: José, o imigrante português, foge da peste, da fome e parte do Porto em direção ao Recife aos 13 anos sem a anuência do pai. Maria Antonieta, racista, descendente de José e Ébano, desconhece sua origem e trilha o caminho do autoconhecimento.
O título é muito bonito. Como chegou a ele? Já sabia quando começou a escrever, ou o encontrou no final, com o romance pronto?
R: Depois de concluir o romance, escolhi o título. Dentre tantos, após várias leituras, surgiu “Ébano sobre os canaviais”, que interpreto como sendo a preta que não herdou o caniçal por um “defeito” de cor.
O narrador de seu livro é único e onisciente. Explique, para quem não sabe, o que é o narrador onisciente e o porquê da escolha de usá-lo para contar sua história.
R: Precisava de um contador de histórias neutro, que soubesse de tudo: do interior dos personagens aos cenários, tramitando entre o dentro e o fora, com toda a liberdade de um narrador onisciente, em terceira pessoa.
Ébano é seu primeiro romance histórico e todo romance histórico exige pesquisa. Como foi o processo de pesquisa para este livro?
R: Sempre tive necessidade de conhecer a fundo o nosso processo de formação de sociedade. Descobri na minha pesquisa que em uma obra não é possível dissecar todos os temas vinculados à escravidão. Tentei contribuir com esse romance um cadinho da origem do preconceito racial, a meu ver muito vinculado ao poder econômico. Tive bastante dificuldade em desvendar a história africana, os registros são esparsos, alguns relatos de viajantes por vezes contraditórios. Ficou bastante, mais uma vez, a força dos interesses econômicos do colonizador europeu subjugando as nações africanas e expropriando-se das suas riquezas econômicas.
O tema escravidão é riquíssimo e complexo. Viajei ao Recife, busquei registros da imigração portuguesa, perquiri possíveis rotas clandestinas de navios negreiros, vasculhei os sinais dados pelo folclore e costumes. Visitei engenhos, museus e busquei também minhas vivências pessoais.
O livro já estava pronto quando surgiu a oportunidade do Prêmio Kindle? Correu para terminar? Como e quando tomou a decisão de concorrer?
R: O livro estava pronto e a todo instante era revisto. Tomei a decisão uma semana antes do término da inscrição, pelo desejo de democratizar o acesso ao livro. Um livro que pode ser acessado através de um celular, de um “kindle” ou enviado por e-mail. Mais democrático, não há. Gosto das novas mídias porque acompanham a contemporaneidade.
Está esperançosa de ganhar? Caso sim, receberá 50 mil reais em adiantamento em royalties e terá o livro publicado pela Editora Record. Caso não, quais são seus planos?
R: Gosto de viver o presente. Tenho por meta não criar expectativa alguma, e isso eu devo ao Yoga, presente na minha vida desde a infância. Escrever é meu trabalho, meu dom. Prêmio é reconhecimento, só isso.
Faz um ano que você está morando parte do tempo nas montanhas de Minas, longe da cidade. Como está sendo a experiência? É melhor para escrever?
R: Ainda estou na fase de passar feriados e finais de semana prolongados, e almejo um dia conseguir ficar por lá um mês seguido. Gosto da vida no campo: plantar verduras, dormir em rede, acordar de madrugada, rabiscar meus escritos, andar descalça, contemplar o protagonismo da natureza. Por Lá, o tempo parece esticar-se, sem a agonia da contemporaneidade. Permito-me usufruir da vida no campo, retornando à minha infância no engenho, sendo acordada por Sabiás.