Pequena joia da ficção brasileira

“Esses contos me surpreendem pela sua precisa linguagem, narrativa e diálogos impecáveis, além da riqueza da sua imaginação. (…) O prazer da leitura foi grande, um prazer, eu diria, até sofisticado. Adorei, entre outras coisas, os choques amorosos, as paixões, uma certa morbidez.” Sérgio Sant´Anna, escritor

 

“‘Com a corda no pescoço” é uma pequena joia da ficção brasileira contemporânea. Com uma voz original, André Nigri domina à perfeição a arquitetura da narrativa, que tem no ritmo das frases e na construção dos diálogos seus pontos altos”. Luiz Ruffato, escritor

 

“Com a corda no pescoço” (contos, Reformatório) é segundo livro do escritor e jornalista André Nigri, autor, também, do romance “Paralisia” (2017). Este teve boa acolhida da crítica e mereceu registro na revista literária QuatroCincoUm como um dos melhores livros de 2018. Curiosidade: O trisavô de André Nigri é Bernardo Guimarães (1825-1884), autor de “A escrava Isaura” (na foto atrás do autor, na estante). Leiam a entrevista:

 

Seus dois livros falam, basicamente, de relacionamentos amorosos – e todos os problemas e questões envolvidos. Existe uma predileção por esse tema? Caso sim, por que?

 

Resposta: Em nenhum dos livros, procurei o tema, fui atacado por ele. Dentro do que se denomina relacionamento amoroso, há um espectro de grandes possibilidades a serem exploradas, como a morte, o humor, a amizade, a compaixão, o prazer e a dor. Talvez a única épica da classe média seja sua vida amorosa, pois vivemos numa cápsula onde aventura alguma acontece.

 

É mais comum o escritor começar com um livro de contos e depois passar ao romance. Você fez o caminho inverso. Por quê?

 

Resposta: Não foi intencional. Novamente, os temas me atormentaram e precisei dar conta deles à sua maneira. Em Paralisia, a jornada cheia de covardia de Jofre era mais extensa, enquanto nas quatro narrativas mais breves, os relacionamentos eram fugazes, portanto, exigiam concisão.

 

A maior parte dos contos tem mulheres com protagonistas. Como é para você, escritor, o exercício da alteridade: enxergar o mundo, pensar e agir como mulher?

 

Resposta: É saber ouvir. Mas em momento algum penso e ajo como mulher, nem como narrador. O discurso feminino é muito mais interessante que o masculino. Neste a previsibilidade é de doer. Agora, se numa escrita de ficção não houver alteridade, então não é escrita de ficção, é memória ou autobiografia ou confissão ou documento.

 

A primeira pessoa a ler o novo original foi Sérgio Sant´Anna, um dos maiores escritores da Literatura Brasileira. Ele assina o texto de contracapa. Nos últimos anos vocês se tornaram próximos. Como era essa amizade?

 

Resposta: Leio o Sérgio Sant’Anna há 30 anos. Ele e meu pai foram colegas de trabalho. Mas só vim a conhecê-lo há pouco mais de dois anos para entrevistá-lo para o Suplemento Literário de Minas Gerais. Nossos santos bateram. Começamos a nos corresponder semanalmente. Em 2019, a convite dele, escrevi o posfácio da reedição do romance Amazona. Um pouco antes disso, mandei os contos para ele que ficou empolgadíssimo e remeteu-me uma série de e-mails comentando um a um. Também fui convidado para integrar a mesa de entrevistadores para seu depoimento no Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro em 2019. A amizade cresceu muito. Infelizmente, estivemos apenas umas quatro ou cinco vezes juntos.

 

É difícil para um jornalista, treinado para ser direto e objetivo, o exercício da escrita literária. Como é para você mudar o discurso – quando redige suas reportagens e quando escreve seus livros?

 

Resposta: O problema maior é livrar-se dos famigerados “fatos reais” e dar corda à imaginação. Com relação à técnica literária, pode-se empregá-la nos dois registros. Mas a ficção dá muito mais tesão do que a reportagem, a questão é como acertá-la.

 

A mais recente pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, divulgada em setembro de 2020, revelou a perda de quase cinco milhões de leitores entre 2015 e 2019. Acredita que é possível mudar esse quadro no futuro? Caso sim, como?

 

Resposta: Não acredito ser isso possível no que me resta de futuro, mesmo que viva mais trinta anos. E é preciso sempre tomar cuidado com números. Quantos desses cinco milhões de leitores liam prosa de ficção adulta? Os leitores de ficção séria no Brasil formam uma seita. São os novos catecúmenos.

 

Você é mineiro, morou 20 anos em São Paulo e está de mudança para o Rio de Janeiro. Quais são seus planos – literários ou não – para as próximas décadas?

 

Resposta: Escrevo porque sinto um terrível incômodo. A realidade é chatíssima e monótona. Enquanto esse incômodo permanecer e eu der conta de botar algo que julgue decente no papel, continuarei escrevendo. Estou penando para ficar minimamente satisfeito com um outro romance que aborda o racismo do ponto de vista de quem o pratica. Acho que há muita literatura escrita pelos esmagados, excluídos. E muita literatura boa dessa perspectiva. Meu negócio, como se pode ver pelos dois livros publicados até aqui, é abordar a realidade de quem está no topo: os abastados e moralmente frouxos moradores da cobertura do condomínio social brasileiro. Vou morar no Rio porque não sou planta e detesto criar raízes.

Este site utiliza cookies para lhe oferecer uma melhor experiência de navegação. Ao navegar neste site, você concorda com o uso de cookies.