Entre Dr. Spock e Blade Runner

Complôs conspiratórios, viagens no tempo e investigações policiais em torno de um homicídio triplo, ocorrido numa cafeteria da Starbucks em Washington D.C., no verão de 1997, compõem a trama do romance “Três faltas e você será foracluído”, do escritor e diplomata Nilo Barroso, atualmente em serviço na Ilha de Chipre, no Mar Mediterrâneo. Leiam a entrevista com o escritor.

 

Seu livro começa com um homicídio triplo em um café em Washington, no final da década de 90. Um episódio como esse realmente existiu? Como e por que isso lhe motivou a escrever uma história?

R: O crime realmente ocorreu no verão de 1997 num dos melhores bairros da capital norte-americana. Sem motivo aparente, três jovens empregados da Starbucks foram sumariamente executados no local de trabalho, após o encerramento das atividades noturnas da cafeteria. Como uma das vítimas, uma moça de 25 anos, era supostamente confidente de Monica Lewinsky, no auge do envolvimento sexual desta com o presidente Bill Clinton, falou-se em queima de arquivo. No ardor do escândalo que, na época, sacudiu a Casa Branca, Washington era um barril de pólvora. Eu costumava frequentar aquela loja da Starbucks, que ficava próxima à Embaixada do Brasil, onde eu trabalhava. Ora, aquilo me incendiou o rastilho da imaginação. Daí surgiu “Três faltas e você será foracluído”: a história de um expatriado brasileiro que mergulha numa jornada delirante, marcada por investigações policiais, viagens no tempo e complôs conspiratórios.

 

Você é diplomata brasileiro em serviço na ilha de Chipre, no Mar Mediterrâneo. Como é o trabalho de um diplomata? Que horas você escreve?

R: Tanto numa ilha como Chipre quanto numa grande missão como a Embaixada brasileira em Washington, a natureza do trabalho do diplomata é a mesma: informar, negociar e representar. Quando escrevo? Como os tipos de Hollywood, reservo-me o direito de permanecer calado para não ficar em maus lençóis com as chefias.

 

“Três faltas e você será foracluído” tem muitas referências à cultura contemporânea. Apesar de ser um intelectual, você gosta de se assistir filmes e séries populares? Caso sim, quais? Isso contribui para a sua literatura?

R: Você se refere à “Jornada nas Estrelas”, a série original que encantou e encanta gerações. Spock é uma figura mítica contemporânea. “Blade Runner” é outra referência para mim. Baseado no texto de Philip Dick, um dos mais criativos autores norte-americanos, o filme é uma bela reflexão sobre a brevidade da vida. Mas “Três faltas…” dialoga igualmente com conteúdos mais sisudos, por assim dizer, como as narrativas de Heródoto, a pintura de Vermeer, física quântica, psicanálise, etc. A erudição não precisa ser chata. Umberto Eco, um tremendo intelectual, se interessava pela cultura pop.

 

O título do livro, “Três faltas e você será foracluído”, se baseia em um conceito criado pelo psicanalista Jacques Lacan (1901-1981). Qual é o seu envolvimento com a psicanálise? Faz ou já fez análise? Isso lhe ajudou como escritor?

R: Realmente me interesso muito pela psicanálise. Fiz pós-graduação em teoria psicanalítica e estudei no Instituto Jung em Zurique. Do ponto de vista da manifestação artística, a psicanálise é também uma ciência reveladora. Como mencionei, o protagonista de “Três faltas…” mergulha numa jornada delirante. Ora, o surto psicótico desencadeia narrativas poderosas relacionadas à simbologia arquetípica, às profundezas do inconsciente. Para compor o romance estudei casos famosos de psicóticos, como o do juiz alemão Schreber, o louco mais famoso da psicologia. Mas também leio Freud para aprimorar o estilo. Ao lado de Goethe e Nietzsche, Freud compõe a tríade dos maiores estilistas da língua alemã.

 

“Três faltas e você será foracluído” é seu sétimo livro e seu primeiro romance. Os anteriores são poesia, contos, crônicas e até uma novela. Como foi a experiência de escrever uma narrativa longa?

R: Sou contista por vocação. Para mim a concisão é dever de ofício. Até então, minha narrativa mais longa havia sido uma novela noir, à maneira de Hammett e Chandler: “O punho do destino”, que recentemente ganhou nova edição. Assim, escrevi “Três faltas…” com receio de pecar em demasia. Quanto mais se escreve, mais se erra. Graciliano Ramos estava certo ao dizer que escrever bem é cortar. Não é à-toa que um dos textos mais perfeitos da literatura universal é uma novela, e não um romance: “A morte de Ivan Ilitch”, de Tolstói.

 

 

 

 

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